Bem Vindo às Cousas

Puri, se tchigou às COUSAS, beio pur'um magosto ou um bilhó, pur'um azedo ou um butelo, ou pur um cibinho d'izco d'adobo. Se calha, tamém hai puri irbanços, tchítcharos, repolgas, um carólo e ua pinga. As COUSAS num le dão c'o colheroto nim c'ua cajata nim cu'as'tanazes. Num alomba ua lostra nim um biqueiro nas gâmbias. Sêmos um tantinho 'stoubados, dàs bezes 'spritados, tchotchos e lapouços. S'aqui bem num fica sim nos arraiolos ou o meringalho. Nim apanha almorródias nim galiqueira. « - Anda'di, Amigo! Trai ua nabalha, assenta-te no motcho e incerta ó pão. Falemus e bubemus um copo até canearmos e nus pintcharmus pró lado! Nas COUSAS num se fica cum larota, nim sede nim couratcho d'ideias» SEJA BEM-VINDO AO MUNDO DAS COUSAS. COUSAS MACEDENSES E TRASMONTANAS, RECORDAÇÕES, UM PEDAÇO DE UM REINO MARAVILHOSO E UMA AMÁLGAMA DE IDEIAS. CONTAMOS COM AS SUAS :







sábado, 31 de outubro de 2009

Renovações macedenses

Este ar possui a marca da distinção. Sabe bem estar de volta ao aconchego dos mimos maternos, mesmo que a "cidade" esteja anestesiada. O habitual passeio dos tristes, uma espécie de percurso de sempre, aos mesmos locais centrais de sempre, revelou a pintura que já vem sendo habitual: um deserto com uns oásis humanos, aqui e ali, numa simbiose de formas com a iluminação nocturna. Os passeios que envolvem o Jardim adquiriram outras tonalidades que não as marcas de processos digestivos aviários. Há um nevão de folhas amarelecidas pelo Outono. Boa noite, Jardim... Boa noite, Praça dos Segadores... Boa noite, Prado dos Cavaleiros... Boa noite, Maria da Fonte... Até amanhã...

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Apontamentos de um fim-de-semana anunciado

O pressentimento de uma incursão mais ao local onde, geneticamente falando, me sinto um nativo e, sociologicamente palrando, me sinto um alienígena, faz-me entrar numa espécie de êxtase auto-induzido. Excluindo factores genéticos e sociológicos, e limitando-me a exprimir a complexa simplicidade do sentimento de ser transmontanamente macedense… Já sinto o meu sistema imunitário envolto num ambiente frenético, onde antigénios e anticorpos convivem saudavelmente, onde uma partícula de pólen anda de mãos dadas com imunoglobulinas e um espirro acontece de olhos abertos. Não duvido que a sequência de antagonismos me transforme num ser parafásico. É, apenas, o meu gene contraditório e reaccionário na sua tentativa de tomar de assalto a inexpugnável fortaleza. Nada de preocupante… Mesmo com algumas reacções adversas e com a possibilidade que se abre a choques anafiláticos, “cum catanchu, gosto mais da ’nha terra que de tchiculate“! Ainda que não consiga ter uma convivência sã com “alguas cousas” que por lá se vão passando, não passo de mais um ser imperfeito brotado de uma terra imperfeita (há p’raí mais 10 milhões de “tugas” assim…). É, precisamente, no âmbito da imperfeição que vão ocorrendo algumas actividades que podem transfigurar a aparente inércia do Interior. Neste fim-de-semana que se aproxima, o Centro Cultural abre as suas portas à música em forma de nostalgia. No Sábado, às 21h45, Luísa Ortigoso, em conjunto com João Courinha no saxofone, Rodrigo Anastácio na guitarra, Zeca Neves no contrabaixo e Paleka na bateria, traz a Macedo as suas “Canções da Telefonia”. Não estou em crer numa afluência maciça de jovens, mas acredito na presença da eterna juventude de todos aqueles que habituaram os seus anos dourados à audição da Emissora Nacional e da Rádio Renascença, fosse para o acompanhamento dos folhetins, dos momentos de humor, das emissões em directo das Orquestras ou dos cantores de música ligeira. Ou ainda dos célebres relatos do futebol, do hóquei em patins ou da Volta a Portugal. Tenho gratas recordações da rádio… O peso dos anos ainda não é assolador, mas a nostalgia também se apodera deste “rapazola” quando recua mentalmente aos tempos daquele aparelho que debitava sons pouco estereofónicos. Rapidamente, vêm-me à memória gratas imagens de um tempo irrepetível. A começar pelas férias de Verão, onde, para lá do fascínio que o mar e a praia sempre exerciam no “puto“, havia a hora sagrada, pós-almoço, para uma sesta no relvado a ouvir o desenrolar do “Simplesmente Maria”, uma espécie de novela radiofónica que fazia as delícias familiares da altura. Continuando pelos percursores dos Gatos e Contemporâneos, os célebres “Parodiantes de Lisboa”. Prosseguindo pelo tempo em que as K7 eram rainhas e o meu “velhote” acordava a horas indecentes para gravar as suas músicas favoritas provenientes de um qualquer programa da Emissora Nacional. Ou pelas minhas férias na aldeia, onde o despertar madrugador ecoava a partir de uma versão radiofónica do “TV Rural” que o meu “Ti Fanano” ouvia diariamente quando os pássaros ainda se encontravam acantonados nas ramagens. Ou ainda no fascínio que em mim era exercido pelas conversas do saudoso sapateiro “Sô’rnesto”, que tinha sempre uma palavra simpática para me dar, versando sempre a dita em torno da música que nesse momento irradiava do seu inseparável companheiro de profissão. Esta rápida viagem a outros tempos teve o condão de me despertar para uma pequena alteração nos planos de fim-de-semana.
Parece-me que vou guardar uns momentos para dar vida ao velhinho Telefunken, refastelando-me na poltrona enquanto me delicio com o ritual de uma cachimbada, na companhia, provavelmente, da Antena 2, de uma aguardente velha e do meu ancião canino. O que fazem as memórias…

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um tchizquinho de saudades

A imagem dos algodões sujos que vão passeando a baixa altitude, retirando, aqui e ali, um pouco do brilho ao meio queijo, foi um chamamento para me deslocar até ao exterior. Enquanto cometia o crime de absorver mais umas baforadas de nicotina, intercaladas pelos aromas de brisa marítima, os pensamentos voaram até ao frio que já deveria marcar presença e anda arredio. Rapidamente o voo alcançou a terra-mãe... E soaram as saudades... Do suave e musical crepitar da lenha consumida na lareira... Dos caminhos que não constam dos mapas... Da surpresa de uns flocos brancos como companhia nocturna... Do vento cortante que gela a alma... Do meu gorro, do casacão, do cachecol... Da terra... Da gente... Faltam menos de dois dias... Porque há alturas em que a ampulheta do tempo só deixa passar meio-grão de cada vez? E um dia se traduz na eternidade de horas que se alongam num interminável banquete de minutos... Entretanto, os algodões celestes agruparam-se e deixei de vislumbrar a lua... E lembrei-me do incomparável queijo transmontano... Cousas...

domingo, 25 de outubro de 2009

Solidariedades não hipócritas

O tempo é o único bem solidário, equitativo e justo. Ricos e pobres dispõem, nem mais, nem menos, de 24 horas diárias. No "Banco do Tempo" não cabem paraísos fiscais (ou offshores intelectuais), nem spreads, PSI-20, nikkei, dow jones... Nem são admitidos BPN ou BPP... Um minuto não é passível de ser renegociado para 61 segundos... Mas podemos transformar os igualitários 60 segundos num minuto de sorrisos para quem, muitas vezes, em face das agruras da vida, tem vergonha de demonstrar que já não possui motivos para sorrir. Ao ler uma recente reportagem sobre os "NOVOS POBRES" em Trás-os-Montes, apeteceu-me abandonar tudo para ir dar, mais não fosse, um pouco de conforto àqueles para quem o implacável materialismo foi padrasto. Sei que sou uma ave rara... Só bem recentemente me apercebi que a espécie humana, mais que o lugar que ocupa no topo da pirâmide dos predadores, é capaz de se fagocitar a si própria, num processo de canibalismo material, no qual cabem todos os meios para serem atingidos os fins. Felizmente, vão aparecendo outras aves raras, para compensar a existência de pessoas que confundem amizade com parasitismo, que vendem a própria alma para obterem os louros de uma efémera felicidade, que subjugam o carácter aos interesses da conta bancária recheada ou que trocam a pureza da própria amizade pela ostentação do seu próximo local de férias. O Imperador Marco Aurélio afirmou aos seus correlegionários que as pessoas que mais admirava eram os imbecis. Só através da sua existência tinha capacidade para valorizar aqueles que o não eram. Talvez por isso valorize tanto, eu próprio, o projecto ECOSOLIDÁRIO. No próximo fim-de-semana deverei estar por Macedo (aproxima-se mais uma daquelas datas em que os fagócitos gostam de aparecer publicamente - da minha parte, auto-excluo-me das aparições públicas, preferindo as minhas homenagens em jeito de eremita, abrigado dos holofotes) e já tenho a mala da viatura reservada, quase exclusivamente, para o ECOSOLIDÁRIO. Serei lírico? Ingénuo? Talvez... Neste âmbito, o lirismo e a ingenuidade deixam-me feliz... E, provavelmente, deixarão felizes outros seres que fazem parte da mesma espécie que eu. Caso, eventualmente, tenha tido paciência para ler até aqui, faça o favor de ser um "cibinho" solidário. Afinal, não custa nada descobrir-se que o cobertor velho que temos empilhado na arrumação pode servir para a cama de uma qualquer criança macedense que o não tem (não é exagero, é, infelizmente, verdade - e são crianças que se sentam ao lado do seu filho na escola...). Eu sei que hoje são 25, não de Dezembro, mas não dizem que o Natal é todos os dias? Por mencionar o Natal, recordei-me de uma das melhores prendas que poderia receber pela época festiva. Ter o privilégio de conhecer e trocar algumas impressões com a anciã dos eleitores macedenses. Não posso perder a oportunidade de deixar aqui uma singela homenagem à D. Maria Isabel Pessanha Charula de Mello que persiste, na vitalidade dos seus quase 104 anos (completá-los-á no próximo dia 29 de Novembro), em exercer o seu direito e dever cívicos. Como diz a publicidade, há coisas fantásticas, não há? E, já que entrei em maré de homenagens, fica aqui registada outra para Jorge Pelicano. Não tanto pelos prémios que obteve pelo seu documentário, mas pelo documentário em si. "Pare, Escute, Olhe"... A hipocrisia no seu máximo esplendor...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Hipocrisias solidárias

De repente, surgiu do nada, qual Fénix renascida, uma entidade que suga a Trás-os-Montes 55% da produção eléctrica nacional, sem lhe dar nada em troca... Minto! Com os dentes todos! Afinal, a dita entidade tem 100 mil euros para distribuir pelos 10 concelhos abrangidos pelas futuras hidroeléctricas do Tua e do Sabor, ao abrigo de candidaturas, convenientemente com o prazo de um mês, para projectos solidários. Contas de merceeiro feitas, se cada concelho tiver a capacidade para apresentar um projecto, o meu fica com direito à fantástica verba de 10 mil euros. Algo semelhante àquilo que a dita entidade deve estar a facturar no tempo em que demorei a escrever 7 ou 8 linhas... Um preço justíssimo para o atentado paisagístico e histórico a que a província transmontana vai ser sujeita. Como transmontano no qual corre (mesmo) sangue transmontano (porque, infelizmente, há os que, após transfusões efectuadas com água do Tejo, dão azo a processos adulterados de hematopoiese da qual saem eritrócitos que renegam a genética) sinto-me enganado, injuriado, ludibriado, e mais uma panóplia de "ados" aliado a outra de "idos" que não podem ser transpostos para a Língua Camoniana, ainda que, transmontanamente falando, sejam perfeitamente aceitáveis, ao abrigo dos "contra e racontra"... Está bem... Qual é o problema? Só vão submergir uma jóia transmontana, não se trata de nenhuma hidroeléctrica no Tejo que envolva o desaparecimento das heranças manuelinas. Vai-se, apenas um marco de D. Luis I. Gostaria de ver idêntico tratamento a outro dos ícones "luisinos"... Caía o Carmo e a Trindade com um "terramoto da Invicta"... E o que faz o meu povo transmontano? Amanhã andará, feliz e contente, a circular no Energy Bus que a dita entidade que nos suga em duplicado porá à disposição das populações para que utilizem racionalmente a energia que produzem no seu território. Como dizia o medieval poeta francês, François Villon, "a necessidade leva as pessoas ao engano e a fome os lobos a sair do arvoredo"... Será ignorância? Será ingenuidade? Será resignação? Alguma coisa há-de ser, porque continuamos a "ser comidos de cebolada" e parece que gostamos... Até posso ser ignorante e ingénuo, mas não me resigno... Nem quando olho para a última listagem do ranking das escolas secundárias... A melhor posicionada do distrito de Bragança é a de Miranda do Douro. Segue-se-lhe a de Carrazeda de Ansiães, ficando a de Macedo de Cavaleiros no terceiro lugar do pódio. Relativizando, não parece má a atribuição do bronze. O reverso da medalha surge quando Miranda ocupa, a nível nacional, o lugar 243... Ou quando Macedo se fica pelo lugar 308, sensivelmente a meio da tabela, que inclui 608 escolas... Quererá isto dizer que os estudantes do distrito são menos capazes para as "letras"? Definitivamente, não! Basta-me pensar nas inúmeras personalidades para as ditas dotadas... Excluindo certos universos, como o da política, um campo sempre minado, recordo-me, rapidamente, de Guerra Junqueiro, Trindade Coelho ou Pires Cabral. Sem necessidade de recorrer ao vizinho distrito e ao autor que mais imortalizou o "reino maravilhoso", Miguel Torga... Por tal, excluo os factores genéticos... Será uma responsabilidade do pessoal docente? Não creio. Tenho gratas recordações do contributo que recebi na minha formação macedense. É um problema sociológico? Talvez... Mas parece-me mais um recuo a um velho tempo, no qual não vivi, em que a manutenção da iliteracia era garantia de submissão... Calem a gente que a gente não falará... Desertifiquem o território que uivos de lobo e bramas de veado podem silenciar-se de formas alternativas... E alcateias e manadas não votam... Eu não falo, grito, ainda que seja numa ridícula forma de desespero. Por paixão, jamais Trás-os-Montes será silenciado. Ainda que o xisto vá caindo...

Vá para fora cá dentro

A aproximação de um fim-de-semana representa, para a grande maioria, a possibilidade de libertação das correntes do tempo. O ritmo é abrandado pela cadência dos despertadores desligados, pela isenção de horários nas refeições, pela pausa na correria matinal. E, depois, paradoxalmente, o descanso transforma-se, para muitos, numa causa mais do moderníssimo stress... Porque soa a anormalidade quebrar o desenfreado ritmo adquirido ao longo de cinco consecutivos dias. Mas também existem os estranhos seres cuja primeira sinalética das benesses de fim-de-semana é o lento e prolongado espreguiçar sem o despótico alerta do despertador. E uma volta mais no aconchego dos lençóis... Ou a manutenção em traje nocturno até à hora tardia do almoço... Alternativamente, a manhã também pode ser ocupada por outros afazeres que não a suave preguiça... Como, por exemplo, temperar a mente com um pouco de especiarias histórico-culturais. Que tal uma incursão ao (ainda) novíssimo Museu de Arte Sacra? Começando por, previamente, efectuar um reposição de cafeína numa das pastelarias que existem nas suas imediações. Como o Museu abre ás 10h, nem se torna necessário madrugar, dando tempo para um pequeno-almoço desprovido de pressas e para, aos que a tiverem, preparar a descendência sem o fantasma dos atrasos matinais. Vale a pena a visita. Não só pelo recheio do Museu. A envolvência de um solar do séc. XVIII permite um contacto com o que deveria ter pautado as políticas urbanísticas ao longo do último século. Penetra-se num mundo distinto, onde não têm lugar aberrações arquitectónicas em formato paralelipípedo e no qual se respira uma atmosfera de viagem a encantos passados em boa hora renovados no presente. A subida da curta escadaria indicia a entrada num universo alheio às enfermidades do betão, num regresso a um tempo não muito distante em que o quotidiano político era marcado pela discussão de outros valores e no qual o nosso vizinho ainda era nosso amigo. Desencantos dos tempos modernos... A recepção deixa antever um ambiente acolhedor, seja pelo espaço, seja pelas pessoas que nos recebem. E depois é só transpor a porta e aceder à exposição de um espólio que nos remete para uma viagem à ritualização do sagrado. O esplendor dos Missais, dos séc. XVI ao XIX, as cruzes processionais, os cálices e demais adereços litúrgicos, as telas, geram um tal encanto que se chega a suspeitar se as navetas e os turíbulos deixam escapar os aromas da resina perfumada até aos nossos receptores sensoriais. Sendo religioso ou laico, o percurso pelo interior do Museu de Arte Sacra faz-nos mergulhar num pequeno oceano da ancestralidade sagrada que foi povoando o concelho macedense. E, porque não, deixa-nos uma surpreendente e profunda sensação de alívio pela preservação de um pouco do nosso orgulho macedense. Para lá desta sugestão, a freguesia de Talhinhas, mais concretamente em Gralhós, poderá assistir, neste fim-de-semana, a uma demonstração da perseverança na manutenção da etnografia macedense, através de um espectáculo levado a cabo pelo Grupo Cultural e Recreativo da Casa do Povo, no Sábado, pelas 21horas. Ainda no mesmo dia, em Macedo, ocorre a Gala do 5º aniversário da AJAM, pelas 21h30. Já no Domingo, pelas 16 horas, Bagueixe poderá assistir a uma actuação da Banda 25 de Março, enquanto que Meles poderá deixar-se encantar pelo Grupo Coral Macedense, pelas 18 horas. Ficam as sugestões para um fim-de-semana diferente, a provar que a vitalidade de um concelho do interior transmontano não se pode aferir apenas por parâmetros de betão e asfalto. E há mais, muito mais para descobrir, indo para fora cá dentro... Caso esteja em Macedo, aproveite. Caso não esteja, pode incluí-lo num próximo roteiro de fim-de-semana. Há "montes" de coisas para descobrir... NOTA: os registos do interior do Museu de Arte Sacra foram retirados da página electrónica da C. M. Macedo de Cavaleiros (se for processado pela usurpação, deixo de fazer publicidade turística...............)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

(A)normalidades macedenses

Não resisto, com a devida autorização do autor, a publicar a prova que me há-de levar, num próximo fim-de semana em que me dirija a terras macedenses, a armar-me em explorador da vida selvagem, lá para os lados da Senhora do Campo. Já tinha visto javalis e raposas em liberdade. Já tive o privilégio de avistar, em estado selvagem, um lobo. Entre outra bicharada mais banal. Mas agora, HÁ VEADOS!!! (ou, em última instância, UM VEADO!!!)

domingo, 18 de outubro de 2009

Coutada transmontana

Já lá vão dois a três anos desde que li uma reportagem, salvo erro no DN, que apontava para a tomada do lugar do homem e das suas marcas, na região transmontana, pelas fauna e flora selvagens. A substituição de terrenos agrícolas por incultos criava a oportunidade para a flora se renovar, ganhando terreno às culturas e criando condições propícias para o rejuvenescimento de espécies animais, favorecendo a cadeia alimentar onde, para haver predadores, é condição essencial a existência de presas. Confesso que, na altura, fiquei possuído por um híbrido "pessioptimismo". Por um lado, nessa notícia encontrava eco para as negras estatísticas demográficas, bem como para o queixume proveniente dos resistentes escritores que fazem do solo pergaminho e do arado caneta. Por outro, retirava conclusões positivas acerca da optimização ambiental e via renascer as possibilidades de observar a fauna transmontana sem o recurso ao cativeiro. Fiquei um pouco como o "touro no meio da ponte"... Depois, esqueci-me da notícia até ter assistido a uma reportagem televisiva sobre a brama dos veados. Afinal, a população de Cervus elaphus estava mesmo a aumentar. Mas Montesinho ficava, mais as suas fantásticas pinturas, lá mais para a região setentrional do distrito... Ficou, desde logo, registada na minha agenda uma próxima e urgente visita aos meus amigos do peito Alípio e Zelinda, lá para os lados de Lomba, uma casa onde um minuto possui sessenta segundos da mais pura e impagável amizade (daquelas amizades que nos enchem o peito de um ar tão distinto, tão distinto, que quase nos sentimos embriagados por excesso de oxigénio). Entretanto, a azáfama quotidiana conduziu, de novo, os ditos Cervus elaphus ao esquecimento. Até ter surgido um espécime perto da minha segunda terra, a já tão celebrada por mim Lamas! É verdade! No pretérito dia 12, Manuel Cardoso, o macedense autor que deu "um tiro na bruma" fantástico e revelou um magnífico "segredo da fonte queimada", registou, para a posteridade, um exemplar que pesará duas vezes e meia mais que eu e terá um quarto da minha idade. Nada mais, nada menos, que perto da sua habitação, lá para os lados de "entre Lamas e Latães" (um local onde os seus guardiães canídeos se aprestaram para fazer tatuagens nos meus membros locomotores - valeram-me os ditos para me transformar em Usain Bolt e para me recordar de deixar um aviso da próxima vez que me aventurar para lá do Facho...). Ora, se há veados numa área excêntrica, significa que têm razão as estatísticas do ICN que apontam para um aumento das populações de veados e do consequente incremento na sua área de dispersão pelo distrito de Bragança (30000 hectares é uma superfície considerável). Inversamente, a leitura sobre a dispersão humana será o que se sabe... Por outro lado, aprecio, como pouca gente o fará, a vida selvagem... E umas costeletazinhas de veado, especialmente quando tenho noção que já não estarei a contribuir para uma qualquer extinção... Percebo agora o porquê da existência de 20 alcateias na região transmontana, descontando daqui o inegável valor das tentativas de preservação do Canis lupus signatus por parte do Homo sapiens sapiens... Diminui a gente, aumentam os incultos... Estes, por sua vez, favorecem os herbívoros, os quais hão-de servir de "pasto" aos predadores. Incluindo-me eu entre a espécie supra-predadora, vou começar a ter mais atenção nas minhas incursões ao mundo natural. Ainda bem recentemente tive a grata surpresa de avistar, bem perto, por sinal, um exemplar de Vulpes vulpes. Mas, como a esquiva raposa faz jus ao epíteto e não representa ameaça de monta, fiquei quieto e sossegado. Ao descer pela encosta onde pasmam os quantos sobreiros que fui verificar, por entre a vegetação que nada tem a ver com o facto de sermos os maiores produtores mundiais de cortiça, comecei a reparar nuns quantos remeximentos que não faziam parte da paisagem à qual estava habituado em anteriores visitas. Analisados, visualmente, os dejectos deixados como presente, mais a "hiroximização" do terreno, a coisa era obra de Sus scrofa, vulgo javali. Confirmadas as provas documentais junto do meu inseparável amigo de aventuras agrícolas, foi-me transmitida a vulgarização de vida selvagem por estas bandas. «Atão, já num há quim queira amanhar a terra. Fica pr'áqui tudo ó Deus dará, prós bitchos cumerim. Um destes dias inda m'entra um porco-espinho pur casa adentro a pedir-me um cibo de caldo!»... E foi numa outra conversa, com outro amigo de lides agrícolas que fiquei a saber do ressurgimento de texugos (santa ignorância, pensei que os "teitchugos" fossem histórias de outros tempos). Se juntar a tudo isto a já conhecida presença de corços, mais as notícias que dão conta da saída dos Ursos-pardos da restrita Cantábria, surgindo relatos de avistamentos do lado de lá da fronteira galega, um destes dias voltaremos ao tempo em que os monarcas, nas cartas de foro, incluíam alíneas de lhes serem ofertadas mãos de urso, na eventualidade de um ser abatido numa caçada. Para quem possa eventualmente estranhar, sim, já tivemos Ursus arctos na nossa região (pelo menos, provavelmente, até meados do séc. XIX). Dentro desta euforia, pela proliferação de vida selvagem, amenizada pela tristeza da desertificação humana, o que, para mim, era sublime, seria a detecção de algum lince ibérico. Seria sinal que os coelhos e as lebres abundariam e que, provavelmente, voltaria a tomar um café na Estalagem do Caçador. Até lá, vão-nos diminuindo o número de deputados, vai-se nascendo em ambulâncias e vão avariando aparelhos de TAC que demoram uma eternidade a ser reparados. Mas já temos "Magalhães pós putos", o início das obras no túnel do Marão, rede de fibra óptica e novos serviços hospitalares. Mas vamos começando a não ter gente, a ter taxas de mortalidade que são o dobro das de natalidade, freguesias que vão a Plenário e deputados por Penafiel. Porque é que há balanças? Ainda por cima, desequilibradas? Um destes dias voltaremos à "terra-tenência" de Zamora... A não ser que se vão levantando umas vozes. Acalma-me o espírito saber que as há...

sábado, 17 de outubro de 2009

Um cibinho de saudades de Lamas


Poderá soar estranho aos lamacenses de nascimento, aos apaixonadamente lamacenses (como eu) ou aos simples conhecedores da encantadora terra da Senhora do Campo. Mas os registos que acompanham esta "declaração de saudades" nada mais são que exemplares da pureza que ainda mora nalguns recantos de Lamas. São "amontoados" de pedras, testemunhas do suor brotado das faces de todos os "bós" de chapéu e fato domingueiro, ou de todas as "bós" com a sua indumentária negra (que, por aqui, a genuinidade da pronúncia ainda não inventou os "bôs" - é "bó", independentemente do género e tenho pena só ter conhecido a minha "bó" e não ter feito o mesmo ao meu "bó"). São restos da Lamas cheia de lama, do ribeiro que dividia a aldeia em duas, do tempo das "cacadas" e das "madamas", das tabernas do "Sô Luís" e do "Sô Zé Pinto", da Missa do Galo e da reunião sacralizada em volta da fogueira de Natal. Restos cujo destino está traçado por lápis de tijolo e cimento, enquanto as silvas não devoram de vez o xisto e não se apagam, definitivamente, os sons melancólicos das rodas dos "carrus dus beis". São pedaços que resistem ao tempo mas que o tempo apagará. Calhaus empilhados por arquitectos que faziam nascer pedra do chão, entremeada por aberturas que mal permitiam ao sol abeirar-se das espartanas mesas para iluminar projectos de engenharia transmitida pela tradição. Ainda bem que a "nebe furaqueira" já não pode penetrar através de arestas não limadas e de junções amanhadas ao sabor do equilíbrio. Ainda bem que já não há fogueira de Inverno sem "tchupão", com uma abertura no tecto que se tapava quando "tchubia que Dous a daba". Já não seria capaz de trocar o conforto do sofá pelo "motcho" onde me sentava para "ciar", instalado à beira da lareira, apoiando o prato num armário que servia para "arrecadar o pão-centêo". «Ó mou filho, puruqué que num te sentas à mesa?», perguntava-me, inúmeras vezes, a "bó". Definitivamente, adorava comer rodeado dos aromas dos "guiços", do "capão" e da "gabela" que se iam queimando enquanto a noite caía, impune, sobre uma aldeia onde a electricidade não era um bem de primeira necessidade. E onde uma casa-de-banho mais não era que uma utopia substituída, quando a coisa apertava, por uma incursão ao monte ou, noite caída, por uma descida pelas "scaleiras" à "loje das burras". Até que um dia, o meu "velhote", mal habituado ao conforto proporcionado pela vivência na "vila", decidiu transformar um dos extremos da "casa dá'bó" numa moderna instalação sanitária. Acrescentando, já não me recordo se antes ou após, a, ao que julgo saber, primeira instalação eléctrica caseira na aldeia. Hoje, pouco mais de três décadas volvidas, fala-se em instalações de fibra óptica. Ainda bem... Todavia, ainda sinto as minhas narinas percorridas pelos aromas libertados pela fantástica sopa elaborada em potes de ferro ao lume, pelas torradas de pão centeio acompanhadas pelo café feito, também ao lume, e no qual era depositada uma brasa incandescente "pra le dar sabor e prá'ssentar". Estou a salivar... A sério que estou... Esta viagem ao passado está a trazer-me à memória imagens que julgava apagadas. Como o fascínio que me provocava olhar para a sequência de potes luzidios, empoleirados em cima do armário, questionando-me como era possível tal brilho depois de os terem obrigado a suportar as agruras das brasas. Ou os talheres que me eram reservados sempre que comia em casa da "bó", ornados a simplicidade, metade madeira, metade ferro, num arcaísmo artesanal de que já não encontro exemplares. Ou o púcaro de esmalte que era o meu objecto ritualizado e do qual não prescindia mesmo após as insistências "pra que bubesse nos de bidro". Era a minha Lamas... Felizmente, hoje ainda o é... Com outros contornos, com outra gente, com outras pinturas... Mas o "São Sabastião" ainda está lá, a Senhora do Campo também, e a Igreja, mesmo com muros renovados e já sem o coreto a fazer companhia ao adro por lá há-de continuar. E os "castinheiros" hã-de continuar a pintar a subida ao Facho e "ou hei-de ficar sempre contcho pur ser imberno"...