Bem Vindo às Cousas

Puri, se tchigou às COUSAS, beio pur'um magosto ou um bilhó, pur'um azedo ou um butelo, ou pur um cibinho d'izco d'adobo. Se calha, tamém hai puri irbanços, tchítcharos, repolgas, um carólo e ua pinga. As COUSAS num le dão c'o colheroto nim c'ua cajata nim cu'as'tanazes. Num alomba ua lostra nim um biqueiro nas gâmbias. Sêmos um tantinho 'stoubados, dàs bezes 'spritados, tchotchos e lapouços. S'aqui bem num fica sim nos arraiolos ou o meringalho. Nim apanha almorródias nim galiqueira. « - Anda'di, Amigo! Trai ua nabalha, assenta-te no motcho e incerta ó pão. Falemus e bubemus um copo até canearmos e nus pintcharmus pró lado! Nas COUSAS num se fica cum larota, nim sede nim couratcho d'ideias» SEJA BEM-VINDO AO MUNDO DAS COUSAS. COUSAS MACEDENSES E TRASMONTANAS, RECORDAÇÕES, UM PEDAÇO DE UM REINO MARAVILHOSO E UMA AMÁLGAMA DE IDEIAS. CONTAMOS COM AS SUAS :







quinta-feira, 29 de abril de 2010

E porque no Domingo foi Festa da Senhora do Campo…

A aproximação do fim-de-semana era o mote para mentais desenhos sobre o que desejaria da festa. Por entre despertos sonhos de Capitão América ou Super-Homem, construía heróicas aventuras para partilhar com os compinchas de brincadeira de fim-de-semana. Nunca se concretizava o idealizado. A frenética intempérie de juvenis mentes alcandorava os sonhos ao patamar do irrealizável. Acabava tudo por sair de improviso, situações em que o “E agora?” obtinha sempre uma resposta válida. Mais não fosse, inventava-se um qualquer desacato para precaver a instalação da monotonia. Mas isso era quando já me encontrava em Lamas, despido de preconceitos da polida vizinhança da “vila”, provido de trapos velhos, calças gastas pelo tempo e pelo uso, sapatilhas desnudadas do aspecto com que haviam saído da “Sapataria do Fernandico”… Mesmo olhado de soslaio, procurava integrar-me naquele corrupio de desregrados putos que, terminadas as obrigatórias tarefas agrícolas, desencantavam sempre uma nova aventura para encher o cardápio das memórias futuras. E achavam uma aberração dos deuses que o “puto citadino” apreciasse participar nas ditas tarefas, ainda que as tentativas redundassem sempre em desajeitados gestos, causa lógica de “mangação”. Mas eu gostava na mesma! “É purque num tens q’alombar dia sim, dia sim!”… A verdade é que tinham razão… Uma razão que me permitiu gravar esses momentos, bem como todos aqueles que antecediam a chegada à aldeia. Nesse tempo, Lamas não era mesmo ali ao lado. O fim-de-semana assemelhava-se a uma longínqua viagem, à qual não poderiam faltar os acessórios indispensáveis para a sua passagem com o máximo conforto. A Sexta-feira era invariavelmente preenchida com o massacre materno, relembrando-me das coisas a não esquecer. De pouco adiantava, porque a euforia suplantava qualquer capacidade de retenção. E, afinal, caso me esquecesse de algo, haveria sempre um primo para ma emprestar. Só não podia esquecer-me do traje dominical. Festa ainda era festa e persistia o ritual de “estriare roupa de nóbo”… Terminado o jantar, era hora de zarpar até ao fundo do Jardim para apanhar a “carreira das nóbe”. Uma velhinha “Cabanelas”, pintada a traços verdes e amarelos, motoristas sempre conhecidos. Retenho a associação de que os mesmos eram sempre da Amendoeira, sabe-se lá porquê. Assim como retenho bem gravado na memória o formato dos bancos, desconfortáveis, de cor acastanhada, revestidos a uma qualquer imitação de pele. Não me causavam muito incómodo. Preferia viajar em pé, apoiado no vidro, apreciando o desfilar nocturno e as ténues luzes que anunciavam, sucessivamente, Nogueirinha, Vale de Prados, Arrifana… Parecia longa a viagem, meros 6 km de asfalto ondulante. Era penosa a subida desde o “Pontão até ó pobo”. Não havia vivalma nesse percurso, para lá de uns distantes uivos acompanhados pelos latidos dos seres caninos que garantiam a segurança da aldeia. Aqui e ali, ruídos de aves nocturnas, o céu por companhia, estranhos sombrios bailados do arvoredo que ladeava a estrada de terra batida. E dois seres que desafiavam a noite… Vislumbradas as primeiras casas, abrandava-se o passo, recuperava-se da ofegante respiração, recompunham-se as trémulas mentes dos terrores do breu. E prosseguia-se, com o restante da caminhada até chegar a casa da avó ou, posteriormente, à da tia. Havia sempre um mimo à espera, aconchegos perdidos na memória do tempo… O ribombar dos foguetes anunciava a alvorada. Era hora de uma rápida higiene matinal, pequeno-almoço devorado pela pressa de ver a Banda desfilar. Era espantoso ver a gente do campo “bestida de labado”, aprumada, despojada das agruras de tarefas agrícolas. Era festa! Corria-se desenfreadamente em redor do adro, saltavam-se os muros com o cuidado de não “esfarrapar” as calças novas nem “scamoutchar” os sapatos. Gerava-se uma solidariedade espontânea sempre que algum se “sbarrava” de encontro ao pó. Tínhamos que estar limpos antes da imposição das faixas de “cruzados” ou do arregaçar de mangas para transportar o andor pequeno. E saía a “pecissão”, marcada pelo compasso da Banda, em alternância com o silêncio, a oração ou os cânticos. O Padre Quina encabeçava a manifestação de louvor, marcando o ritmo, porta-voz da gente que, devotamente, elevava as suas preces à Santa Protectora, enquanto, de forma pausada, se debatia com a inclinação do “cabeço”. A chegada ao “Encontro”, mais que apenas um solene momento, representava o alívio do esforço pela subida, especialmente para os cumpridores de promessas, gente simples que onerava o corpo com o pesado fardo de uma saca de farinha ou de grão, com uma criança ao colo ou com a privação de protecção para os pés. Ou, simplesmente, carregando aos ombros os pesados andores… Começada a missa, era tempo de desligar das obrigações religiosas e percorrer o recinto em loucas correrias, apreciando os “homes” que se aglomeravam em torno das improvisadas barracas de “comes-e-bebes”, mais para beber que para comer, é certo. Quando a sede apertava, havia sempre um familiar por perto para me presentear com uma gasosa ou uma laranjada. Em última instância, ia-se à torneira… Reiniciava a correria, olhos fixos no céu em busca das trajectórias dos foguetes. Não estava contemplado no programa da Festa, mas havia uma competição infanto-juvenil à parte. “A ber quim trai mais barelas!”… Eram os nossos despojos da imaginária guerra que se desenrolava nos céus. Todos queríamos ter a melhor “barela”, ainda que parecessem todas iguais… Também queríamos ter as cornetas ou os carrinhos de plástico vendidos em artesanais bancas, delícias da pequenada, juntamente com os coloridos “doces” que por lá se amontoavam sem grandes conceitos de arrumação. Terminadas as celebrações litúrgicas, hora de ajuntamento das tropas familiares, no mesmo sítio de anos, repetindo o mesmo ritual de anos. Mas tinha sempre um sabor diferente… E havia sempre imensa gente em redor das mantas estendidas no chão. Chegava sempre mais alguém “pra buber um copo” ou para debicar uma azeitona. O tardio almoço campal era regado a imperceptíveis conversas de adultos, complementadas pela algazarra dos primos e por risos, estridentes formas de demonstração de harmonia e satisfação. Deixava sempre um cantinho do estômago de prevenção. Sabia que, ao percorrer o recinto, haveria sempre uma cara conhecida que se dirigiria a mim. “Atão num queres um cibo de bolo? Or tomó lá!”… A determinada altura, já com o esófago a suplicar para não o massacrar com a passagem de mais doçaria, aceitava, grato, provava, respondendo afirmativamente à pergunta “Atão, dize lá que num é mim bô?”, esgueirando-me o mais rapidamente possível. Desfazia-me, sorrateiramente, da dádiva, enquanto rogava à Senhora do Campo para que eu já tivesse percorrido as “tasquinhas familiares” todas… Ficava empanturrado de bolos para uma semana. Hoje, tenho pena de não ter guardado algumas fatias…

domingo, 25 de abril de 2010

Porque é Abril…

… a lógica aconselharia à colocação de um Dianthus caryophyllus. Contudo, a Liberdade presenteou-me com a faculdade de optar por outras cores e formas que não o vermelho e o cravo. Esta é a minha singela forma de prestar tributo aos idealistas de um mundo desprovido do pesado jugo do sentido único. Retiro daqui qualquer homenagem aos que pretenderam, subrepticiamente, subverter o sonho de um país livre, metamorfoseando-o, manietando as individuais liberdades, procurando, por ilícitos meios, conduzi-las aos antípodas. O Macedense Raul Rêgo mais o seu “República”, ainda por cá andassem, saberiam converter, incomparavelmente melhor que eu, esta ideia. Viva Abril! Viva a Liberdade! Mas, indubitavelemente, não quero que viva esta Liberdade adulterada, uma Liberdade que viu o seu sinónimo alterado sem o recurso a qualquer acordo ortográfico. A Liberdade não condiz com o desprezo a que é votada uma região. A Liberdade não pode pactuar com a castração com que, sucessivamente, um povo é privado dos seus mais básicos direitos. A Liberdade não pode, alegremente, caminhar lado a lado com a corrupção, o clientelismo, a pedofilia, o escândalo económico, usando como cajado de apoio a impunidade. A Liberdade não deveria ter finado, de vez, com o abismo da dicotomia “patronato-proletariado”? A Liberdade que hoje vejo acentuou as diferenças. Esta Liberdade trouxe mais riqueza aos que abastados eram e mais pobreza aos que na míngua viviam. O “meu” Trás-os-Montes é considerado, estatísticas assim o proclamam, a região mais pobre desta Europa do Euro… Mas não era… Agora é uma região “livre”. Pode dizer o que quer, é verdade. Mas amputam-na do básico, tiram-lhe maternidades e elementares serviços de urgência, roubam-lhe o caminho-de-ferro, dão-lhe migalhas em troco de barragens impostas, privam-na de vida. E sugam-lhe o tutano… Como faço parte do osso, sinto-lhe as dores e o sufoco da sucção que sobre o mesmo é exercida. E desdenho desta Liberdade que é a antítese do Robin dos Bosques. Esta Liberdade tira aos pobres para dar aos ricos… E desgraçado do pobre que não dê a sua contribuição… Mais não seja na forma de mais de metade da produção da energia eléctrica nacional. Não deveríamos viver no Orwelliano país d'"O Triunfo dos Porcos"...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um Primeiro-Ministro Macedense?

Ou quase… Já que estamos em Abril, a poucos dias das comemorações do conturbado período que haveria de ter o seu epílogo no dia que me facultou a autorização para escrever o que me “der na real gana” sem o receio de um fantasma “lápis azul” a pairar… Pena as deturpações que se lhe seguiram. Mas isso são outras histórias… E, já que estamos em Abril, caso ainda fizesse parte física do nosso mundo, alguém haveria de ter completado a provecta idade de 97 anos no passado dia 15. Um alguém que, partilhe-se ou não dos seus ideais, era de rija têmpera, não tivesse visto a luz do mundo por transmontanas terras, lá para os lados do “umbigo do mundo”, Morais para os menos atentos. Um alguém que, paradoxo dos paradoxos, ou talvez não, conclui um curso de Teologia, abraçando, de seguida, o anticlericalismo. Desse alguém me lembrei ao renovar a minha incessante busca de entendimento desse período revolucionário, relendo, entre outras coisas, umas memórias de um dos mentores do MFA e outras de quem faz parte da História Portuguesa como Primeiro-Ministro e Presidente da República… Ao lembrar-me, assolou-me a mente, qual histórico pesadelo, a injustiça que a toponímia macedense tem feito aos seus “heróis”. Não é este o caso, detentor de uma placa toponímica, lá para os lados dos Merouços. Mas soa-me a insuficiente… Afinal, não fosse a firme oposição do líder partidário de então e, em vez do advogado Palma Carlos, teríamos tido um macedense registado na História como o primeiro Chefe de Governo no pós-25 de Abril. Ficou como o primeiro Ministro da Comunicação Social… A verdade, porém, é que, dado o seu passado como firme opositor ao regime do Estado Novo, consubstanciado no seu declarado apoio às candidaturas de Norton de Matos ou de Humberto Delgado, bem como na voz que deu ao jornal República, como director a partir de 1972, o MFA indicou-o como candidato a Primeiro-Ministro. E, de facto, o General Spínola convidou-o a desempenhar tal função. Contudo, a chegada do verdadeiro líder partidário impôs uma espécie de disciplina hierárquica, relegando esta figura para um plano distinto da cooptação que lhe tinha sido feita pelo aparelho militar. Foi efémera a sua passagem como ministro, em contraponto com a longa permanência de 24 anos como deputado. Deste período resultaram imensas histórias, resultantes de acesos debates. No entanto, retenho a sua entrada em cadeira de rodas para a votação da célebre Lei do Aborto… Um voto era um voto… Retenho, ainda, o ocorrido num debate parlamentar de 1980 em que, de forma pouco ortodoxa, mimoseou o parceiro de uma oposta bancada com um “Vá para a p*** que o pariu!”… Um insulto à avó do autor de “Equador”… Desapareceu da cena dos vivos em 2002, legando-nos um passado de luta e algumas notáveis obras… Destaco a fantástica “História da República”, em cinco volumes, a “obra da sua vida”, plagiando o autor do prefácio… O mesmo que não lhe franqueou as portas para termos tido um notável macedense como Primeiro-Ministro… Raul Rêgo, de seu nome…

sábado, 17 de abril de 2010

Castrações da vergonha?

Previamente ao visionamento, para não haver sobreposição de ruído, desligue, p.f., o som da "Cousas Rádio"...

Trailer Cinema "Pare, Escute, Olhe" from Pare, Escute, Olhe on Vimeo.



Veiga de Lila - Valpaços… Vilar de Maçada - Alijó… Vila Real… Poder-se-ia acrescentar Lagoa - Macedo de Cavaleiros… Ou, recuando um pouco no tempo, Grijó – Macedo de Cavaleiros… Com o firme propósito de preservar a terra-mãe de implícita corrosão, restrinjo-me ao vizinho distrito… As hierarquias assim o ditam… E, afinal, trata-se de um gémeo, mesmo que a modernidade das NUTS tenha adulterado, ao de leve, a tradição. Contudo, Trás-os-Montes é Trás-os-Montes e não há adulterações que corrompam esta essência de transmontano ser, seja de bragançanas terras ou de vila-realense território. Fala-se de abandono, há abandono… Escalpelizar as causas resultaria numa perda de tempo… As transmontanas gentes, mais que sabê-las, sentem-nas. Ou vão-nas sentindo, ao sabor do ruído atroz gerado pelo silêncio de quem destas terras brotou e, sabe-se lá porquê, renega as origens, esquecendo-se desta cada vez mais esquecida gente. Terras do olvido… Impenetráveis fraguedos, desoladas terras, resignações de bravia gente… Como me dói olhar o meu mundo, sabendo que as raízes do mesmo se estendem à Presidência da Comissão Europeia, à Chefia do Governo Português e à Liderança da Oposição… Como me dói sentir os enganos de quem parece desprezar o ventre transmontano que vida lhe deu… Como corrói olhar para hipócritas sorridentes faces imunes aos pedidos de gente simples que apenas quer sentir que é gente como qualquer outra. A Linha do Tua é apenas uma das muitas faces do monstro que comeu xisto e granito, e os cospe em forma de betão… Mais que discutir barragens ou encerramentos de linhas férreas, dever-se-ia estancar a hemorragia da resignação e da passividade. Dão-nos “cabo do coiro” e nós retribuímos com ingénua amabilidade. “Comem-nos de cebolada” com falsas e adiadas promessas e nós recorremos a um incompreensível mutismo, alicerçado numa qualquer tradição que diz sermos um povo hospitaleiro. Como é possível ter hospitalidade para quem nos espeta, sucessivamente, facas nas costas? Encerram-nos serviços básicos e nós sorrimos? Ou limitamo-nos a uns fugazes protestos, rapidamente apagados pela próxima campanha eleitoral… Onde alimentamos “pançudos” a alheiras, presunto, enchidos e posta à mirandesa, sabendo, de antemão, que vão digerir as genuidade e bondade transmontanas para um qualquer corredor de S. Bento, Bruxelas ou Estrasburgo, arrotando a convicção de que os irredutíveis estão amansados de novo… A interioridade não se paga cara pela prepotência dos que de lá saem em direcção ao “El Dorado”. O elevado preço resulta da devolução em forma de silêncio ao silêncio que nos dão… Não irei ver o “Pare, Escute, Olhe”… Para derramar “rios Tua” movidos a raiva, já me bastou o “trailer”… Sensibilidades escondidas por detrás de uma aparente couraça de frieza, coisas humanas ou, simplesmente, transmontanas… E não irei ver porque, no país que merecemos, não consigo alhear-me da constante adulteração que faço ao título do documentário. Olho para a película, assisto ao desfilar de caras e sinto que vivo no país do “Quero, Posso, Mando”… E a esse país que abandona um pedaço do que seu é, que me desculpem as mentes mais sensíveis, digo, transmontanamente falando com tempero a eufemismo, “carvalho ma racontracosa”…

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Spantalhices

As estadias pela terra-mãe possuem outro colorido quando o astro-rei desponta da sua letargia. Não há diabo que me segure na protecção de um tecto e, logo que os primeiros raios irrompem através do cinza que tem marcado a abóbada, zarpo para a sempre celebrada “volta dos tristes”. Desço até ao centro da “vila”, esforço-me por parecer um alienígena na própria terra, distribuindo, aqui e ali, um cumprimento mais, sorrisos de gente que mantém na memória os traços fisionómicos do puto. Uma das obrigatórias paragens ocorre na transfigurada Praça das Eiras. Momentos para recordar os plátanos, o coreto, as tendas da feira, as fontes, a escola da “discriminação sexual”… E para ser surpreendido com uma exposição ao ar livre… De Espantalhos!!! Ficou mais colorido o meu dia…

Cousas Pascais

A incontornável passagem das Estações é implacável. Traduz-se no fenómeno de um constante regresso ao passado, como se a nostalgia tomasse conta dos dias, qual exterminadora do presente. Um presente que cada vez mais se afasta do passado, sem retorno possível, sem regressão que se fareje no horizonte. Já não sei se a Páscoa perdeu os seus encantos ou se o encanto da Páscoa se esfumou ao sabor da modernidade. Mas, afinal, falar da Páscoa é o mesmo que falar do Natal… Ou talvez seja uma simbiose de defeitos meus com feitio meu, também. Quem sabe se perdi a capacidade de camaleão? A verdade é que já não sinto a Páscoa transmontana como a sentia há uns anos atrás. E não é pela ausência do Coelhinho da dita, assim como o espírito natalício não sofreu uma metamorfose por eliminação do Pai Natal. Desadaptações… Ou uma incessante luta contra o consumismo reinante, num revolucionário espírito pró recuperação dos valores tradicionais, da identidade perdida, do transmontano coração que se vai esvaindo ao sabor de estradas que não existem… Talvez as mentalidades tenham sofrido uma inexplicável corrosão. Ou explicável, quiçá… Seja lá qual for o nome do réu, o juiz não se encontra desprovido do seu. A espada de Dâmocles resume-se ao gume que amputou a doçura da tradição, substituindo-a pela agrura dos valores do fantasma de um depauperado fidalgo que dá pelo nome de consumismo. Ou, na sua mais abominável versão, galopante usurpador de direitos da tradição, de familiares valores: o dinheiro, mais o seu séquito de vassalos que guarida lhe dão. Hoje, já não se fazem folares, já não se oferecem amêndoas. Assemelha-se tudo a um fenómeno materialista, onde a pureza de uma oferta foi usurpada pela monstruosidade das contingências dos modernos tempos. Tempos em que a Visita Pascal, aquele acontecimento que fazia da Segunda-feira de Páscoa um dia distinto, com acessos decorados ao colorido primaveril, se transformou numa efémera ocorrência com o supremo objectivo de recolher um envelope… E já nem a sineta desperta as mentes…

quarta-feira, 7 de abril de 2010