Bem Vindo às Cousas

Puri, se tchigou às COUSAS, beio pur'um magosto ou um bilhó, pur'um azedo ou um butelo, ou pur um cibinho d'izco d'adobo. Se calha, tamém hai puri irbanços, tchítcharos, repolgas, um carólo e ua pinga. As COUSAS num le dão c'o colheroto nim c'ua cajata nim cu'as'tanazes. Num alomba ua lostra nim um biqueiro nas gâmbias. Sêmos um tantinho 'stoubados, dàs bezes 'spritados, tchotchos e lapouços. S'aqui bem num fica sim nos arraiolos ou o meringalho. Nim apanha almorródias nim galiqueira. « - Anda'di, Amigo! Trai ua nabalha, assenta-te no motcho e incerta ó pão. Falemus e bubemus um copo até canearmos e nus pintcharmus pró lado! Nas COUSAS num se fica cum larota, nim sede nim couratcho d'ideias» SEJA BEM-VINDO AO MUNDO DAS COUSAS. COUSAS MACEDENSES E TRASMONTANAS, RECORDAÇÕES, UM PEDAÇO DE UM REINO MARAVILHOSO E UMA AMÁLGAMA DE IDEIAS. CONTAMOS COM AS SUAS :







domingo, 27 de junho de 2010

Oh, Gente da Minha Terra…

O horizonte, desenhado pelo ondulado dorso de Bornes, não prenunciava nada de bom. Algodões sujos pintavam o céu a tonalidades de cinza, o troar dos deuses bom augúrio não era para a aguardada audição da diva. As primeiras gotículas, grossas, cheias, daquelas que abafam o tormento do estio, mas que constrangem as almas ao resguardo. Mentes receptivas à invulgar beleza de um céu rasgado, aqui e ali, por ziguezagueantes ondas eléctricas, aleatoriedade de trajectórias que reclinam o espírito, numa espera de novo espectáculo de pirotécnica arte celeste. Talvez o ribombar tenha despertado S. Pedro. Talvez, no dia da inauguração da sua Feira, tenha aberto inusuais portas para que as nuvens corressem para o exterior do aéreo espaço macedense. Os ânimos de celestes protestos acalmaram com o aproximar do canto do povo. Em boa hora! Mariza cantou, cantou, e encantou! Num quase insuperável encantamento de cantadas palavras que vão muito para lá de fadados choros trinados. Mariza não é fado, é uma espécie de magia distribuída a gente habituada ao canto do esquecimento. Mariza não é uma diva fechada em caprichos que as divas têm. Mariza é povo, também… E Mariza é emoção, porque as suas palavras chegam onde não supunha, sequer, pudessem chegar. Mesmo que, timidamente, se tenha ausentado do palco dessas mesmas emoções, num escondido choro de quem vive uma estranha simbiose com o povo que a ouve. A acústica não era a desejável para absorver uma inusitada voz, mas que se dane a acústica, porque há vozes e momentos de tal forma marcantes que nem eventuais deficiências conseguem apagar. Não me reconheço no fado, confesso-o. Percebi, ontem, porque exercia Mariza estranhos efeitos neste ser sem grandes afinidades com a dita canção nacional. Mariza transpira música, exala alma, distribui a simplicidade dos grandes, mistura-se com o anónimo povo e, neste macedense povo, tocou-lhe nas entranhas do sentir, fazendo explodir uma inexorável forma de estar em que a rigidez das faces traçadas a rugas de xisto sofreu uma repentina metamorfose. Macedo superou-se a si próprio, anormalmente libertando emoções, como se um signo de esperança tivesse saído de uma qualquer poção mágica lançada pelo canto de uma esguia diva que chora sorrisos. Eu sorri, chorando, não escondendo um tímido humedecer dos periscópios da alma, enquanto pulava e deixava ecoar as palmas, absorvido pela multidão que quieta não estava. E emocionei-me quando, da minha garganta, qual analgésico efeito num finado torpor, ecoou um “de quem eu gosto, nem às paredes confesso”… Emoção não devida, em exclusivo, à música ou à diva que a transfigurou. A emoção explodiu porque, simplesmente, a minha banal voz se soltou num transmontano grito, no meio de corações de Gente da Minha Terra!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Soeimas e Gebelins

Algures, num qualquer estranho episódio, amizades, não provenientes de espécimes amigos de longa data, mas um daqueles que, sabe-se lá se por exibir um carácter incomensuravelmente acima da média, teve a capacidade de desafiar um restrito mundo... Algures, num qualquer ingénuo episódio, daqueles episódios marcados a ferros de ingenuidade pura, alienígenas purezas que se abstraem de preconceitos de inverosímil desigual distribuição de sapiência... Toponímicos desabafos de quem partilha platónicos conceitos, talvez... Supremacias da ignorância, ou um desaustinado ensaio sobre a lucidez, contraponto a homónimo da cegueira... Referência oportuna, só porque a moda decidiu não contrariar finados prémios suecos abastecedores de hipócrita alma lusitana... Ou desenfreadas formas de aquilatar a essência de arabismos nascidos de fonéticas desigualdades, dogmas brotados de santidades? Uma qualquer Jerusalém talvez, sede de patriarca Gibelinus, enquanto Pascoal II saboreava a cadeira de Pedro. Nada de confusões com os de Weiblingen, opositores de Guelfos, mundos de histórias outras... É mais fácil seguir machados, ou intelectuais gumes, sarracenas obstruções de lendas nascidas. Afinal, sempre houve encantadas mouras para entroncar em megalitismos... Como se os pétreos seres guardassem teares de ouro e outras auríferas histórias mais... Cousas misteriosamente guardadas entre dois montes, Jabalain talvez, derivações de Jabalon... Diz o José... Ou voltamos às hipóteses de javalis, timbre de nobre gente? Nãããããã!!! Prefiro a ignorância de séculos muitos, dúzia deles atrás, pelo menos, génese de apelido de progenitor de Mogli, indiano império britânico nascido, geminadas nomenclaturas luso-britânicas, onde arabismos chegados não foram. Fatalidades dos crentes... De influência árabe, a germana influência... De facilitismos de dois montes a antroponímias "daquele que dá"... Genitivo de homónimos de patriarcas, sei lá... Afinal, José Pedro dixit, e corrobora-se, porque sim... Mas há sempre uns Ernestos para contrariar, ou cabeças para pensar. Ou um ignorante "alguém" que vê para lá de arabismos e insondáveis mundos. Gebelim como "vestígio de lingoa arábica"? Não houvesse germanos mundos outros, e derivação de genitivo não seria... Proximidades de Soeima, etimológicos percursos para distanciar. Sulayman derivado, mas de moçárabe nascido. Soleima, dizem os entendidos, que entendido não sou. De entendimento era o Afonso, o primeiro, de lendas tantas elevado. Como a do Bispo Negro, Soleima atrás... Adaptações moçárabes, ou "Sisnandas" doações a um tal de Godins, beneplácito de conde Raimundo, Urraca anuíu... É história, basta ler história para lá do estipulado. E acreditar em Platão... "Tudo o que sei, devo-o à minha ignorância"... O resto são dois antropónimos vizinhos... Entre tantos outros...

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cousas de enaltecer

"Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é certamente e a chuva não bate assim"... Poderia o intróito servir de simples recordação à célebre Balada da Neve de Augusto Gil. Porém, o plágio restringe-se à analogia de uns flocos, não de neve, mas de saudades, que por mim chamam. Neste caso, moram nas memórias de um evento que vai marcando, ano após ano, o pulsar macedense. A Feira de S. Pedro 2010 está aí à porta, batendo levemente nesta indómita vontade de, mensalmente, "arrumar a tenda" e zarpar para terra encravadas entre Bornes e a Nogueira. No Sábado lá estarei. Para rever amigos, para distribuir "bacalhaus", para reviver velhos tempos que a memória não apaga. E para assistir a um inolvidável cantar português na voz da inconfundível Mariza... Também...

sábado, 19 de junho de 2010

Conventos memoriais ou a morte das intermitências

O abrupto traumatismo luso-literário que me foi infligido nos velhos tempos do "Secundário", injustiças cometidas com "As viagens na minha terra" ou "Os Maias", arcaicos métodos compulsivos de incentivar a leitura, apenas teve o seu ocaso entrado que estava o finar do vigésimo século. Numa dessas revistas semanais pioneiras em agregar espécimes literários às suas edições, surgiu uma colecção de grandes autores. O simbólico do preço não colocou entraves de maior à dupla aquisição. Para mal dos meus pecados de então, o primeiro duo incluía... "Os Maias". Franzi o sobrolho, quase aderi à imediata desistência, tal o trauma. Contudo, aguardei pelo terceiro exemplar... "O memorial do convento"... Má sorte, amor ardente! Uma "coisa" escrita por um autor que se situava quase nos antípodas do que norteava o meu pensamento! Porém, como não sou xenófobo (não apenas no conceito de preconceitos raciais que, erradamente, se atribui à expressão), mandei a resistência intelectual às malvas e decidi dar-me permissão para me embrenhar nas aventuras e desventuras de Blimunda e Sete-Sóis, mais as históricas Mafra e a inovadora Passarola de Gusmão. O desacerto literário fascinou-me, o sarcasmo e a ironia geraram uma estranha cumplicidade com um rapazola habituado a situar-se na contra-corrente, não por contra ser, mas por concordar com a de Calcutá, que era sempre a favor de alguma coisa. Óbvio que a "pseudo-intelectualite" sempre colocou reservas e reticências (e outros ortográficos sinais mais) a uma lavra que contrastava com o nosso jeito de povo bem amanhadinho, cumpridor das mais elementares regras gramaticais, mas que depois vende o corpo e a alma a imposições ortográficas paridas além-atlântico... Prostituições intelectuais... A safra foi de tal forma proveitosa que, sôfrega e rapidamente deglutido o ficcional do reinado do "Freirático" (dizem-no "o Magnânimo", mas a sua magnânime apetência por noviças dixit...), deixei que as recordações traumáticas se esbatessem e, a medo, invadi o queirosiano universo dos amores e desamores de Carlos Eduardo e Maria Eduarda... E vi-me na contingência de rever todos os conceitos que tinha herdado dos meus verdes anos de estudante macedense. Fiz um tratamento anti-celulite luso-literária, recompus-me e tratei de elevar a ícones (não a ídolos, que a idolatria não faz parte dos meus dias) alguns autores portugueses que descobri e redescobri. Um deles, finado que está, terá agora direito a inumeráveis e incontáveis cerimónias de póstumo louvor. Provavelmente, com a irónica e sarcástica presença dos detractores... Aqueles que quase me convenceram, Nobel atribuído, que Uderzo e Goscinny estavam equivocados quando epitetavam os Gauleses de loucos... Loucos, loucos, são os Suecos... Bem vistas as coisas, ainda terá uma barragem com o seu nome, lá para o Alentejo, talvez, que as setentrionais terras são pouco atreitas a que uma qualquer barragem do Sabor ou do Tua seja baptizada com nomencaltura de anti-cristo... Essas, hão-de ser "Qualquer Coisa Comendador Mexia"... Restringindo-me à minha trivial posição de constituinte do anónimo povo, a minha homenagem quedar-se-á por ler o que ainda me falta... Mesmo que discorde, de forma absolutamente absoluta, de "lanzarotianas" posturas políticas. Mas, trabalho é trabalho, conhaque é conhaque... Ah! Não sei se o diabo virá ao enterro, mas louvem-se os vivos também! Porque de um qualquer "Sancirilo" resgatado, há uns anos, de uma estante, espantou-se o fantasma da portuguesa literatura. Neste caso, alimento deu ao "monstro" do orgulho na terra-mãe... E tudo isto porque queria escrever sobre a recente criação da Academia de Letras de Trás-os-Montes. Logo tinha que desaparecer o mago do sarcasmo, para derivar as idéias... Por ter mencionado sarcasmo... E porque fiz uma referência, ainda que indirecta, ao grande Pires Cabral... Lembrei-me do Grémio Literário... A saudável simbiose literária expectável entre os dois distritos transmontanos redundará numa mais que previsível intelectual guerra surda?... Espero que o olfacto me engane... Antes que a coisa azede, "bou-me infardar uas cereijas mim ducinhaze"...

Despotismo energético

Amiúde, a minha voz interior presenteia-me com a subtileza de privados sussurros, rastilhos do ser, desencadeadores de um atípico género de convulsões revolucionárias no interno país... Habitualmente, como já conheço esta peste com que diariamente lido, remeto-me à clausura do silêncio. Forma de salvaguardar a proliferação de "cousas ditas a quente". O silêncio convoca as cerebrais calotes polares a intervir, quais benzodiazepinas, atrofiadoras de um vulcão que, a explodir, poderá ter efeitos colaterais de ricochete. Como pessoa, mas acima de tudo, como transmontano, é notório o meu quase ódio de estimação por uma certa monopolista companhia eléctrica. Qual teoria da conspiração, começo a duvidar se somos (des)governados a partir de S. Bento... A começar pelo patamar da desgovernação de chorudas remunerações... Questione-se um qualquer adolescente, daqueles que ainda possuem neurónios pensantes: "- No futuro, gostarias de ser Primeiro-Ministro do Governo Português?"... "- Não! Optaria, antes, por ser Primeiro-Ministro do Governo EDP!"... "-Porquê?"... "- Porque aufiro vergonhosamente mais, porque mando encapotadamente mais e porque não tenho que aturar a Oposição em estéreis debates parlamentares"... Lógico... Para lá disso, o ficcional adolescente poderia acrescentar outras coisas mais... Faces ocultas da lua... Ou, por exemplo, a passividade de uns depauperados que vivem numa região eternamente esquecida, onde, despoticamente, lhes castram a seiva que lhes corria entre montes, vales fluviais rasgados a pá e picareta, pretensos incómodos ao saudável evoluir económico do país dos descobrimentos... Para quê? Para construir barragens que suguem um pouco mais ao pouco que nos resta. Mas, um dia, qual pontapé no traseiro da letargia, assisto a algo inusual: o "poder" e a "oposição" da autarquia macedense estão de acordo! Não, desta vez não é por uma qualquer homenagem a um vulto da terra! A vereação encontrou um ponto de unanimidade: um enfrentamento à EDP! A tal que, para lá de não retirar a sub-estação do (agora) centro da "vila", bem ao lado do pólo escolar, ainda quer impor, a seu bel prazer, a colocação de linhas de alta tensão que, ao que parece, inviabilizariam os voos nocturnos do helicóptero de emergência recentemente colocado em Macedo. Os meus protestos podem chegar ao Céu, mas desconfio que até lá deve estar a decorrer um qualquer projecto de EDP-hipocritamente-solidária... A minha voz é insuficiente para mexer neste deboche total... Agregassem-se-lhe outras mais e "mexia, mexia"...

domingo, 13 de junho de 2010

Aberrações de um país de bananas

Um pouco de considerações utópicas... Faz de conta que nasci no outrora medieval concelho de Vale de Prados, o Grande... Faz de conta, ainda, que sou um pouco mais velho, que sobrevivo de uma qualquer mísera reforma ou que, detentor de outros rendimentos, possuo a minha courela, entretenimento de sobrevivência de um qualquer final de tarde... Carinhosa, mas arduamente, cuido dos hortícolas produtos, assistindo, de pesarosa forma, ao delapidar dos mesmos por eventuais amigos do alheio. Um dia, um qualquer dia, cansado das intrusões à minha propriedade, decido montar guarda, direito inequívoco de defesa do que meu é. É noite... Aproxima-se um vulto do local onde me encontro abrigado, pleno de boas intenções, perfeitamente demonstráveis através da indumentária, visível no facto de o dito vulto se apresentar encapuzado. Talvez tenha tentado algum tipo de abordagem comunicativa... Ou talvez o instinto tenha falado mais alto... A verdade é que, para lá destas irreais deambulações com cheiro a literário, existiu um real ser que, do alto dos seus respeitáveis 76 anos, decidiu defender o que seu era... É discutível o método, assim como o é o facto de ter ceifado uma vida. Contudo, era a vida de alguém que se apresentava encapuzado, munido de uma arma de fogo e que, qual cereja no topo do bolo, era procurado pela Polícia Judiciária. Atenuantes, só atenuantes... Na boa fé de idoso, após o cometimento do crime, entregou-se o presumível homicida às autoridades... De que lhe valeu tal honroso acto? O pedido da insuspeitável Justiça de uma pena de 15 anos de prisão efectiva, acrescida de uma indemnização de 384 mil euros! O colectivo de juízes acabou por dar a benesse de "apenas" 8 anos de prisão acompanhados da indemnização de 30 mil euros... Percebo, agora (tão ingénuo que sou), aquilo que, há uns anos, um inspector me dizia acerca de um assalto de que fui vítima, após se ter descoberto o autor material de tão louvável acto (autor que, como muitos semelhantes autores, ficou impune). A revolta levou-me a questionar o saudoso inspector acerca, entre outras coisas, do comportamento a ter perante a possibilidade de chegar a casa e ter no seu interior outro amigo do alheio. Dizia-me ele que o pior que poderia fazer era a opção por qualquer tentativa de defesa do património com recurso à violência. Estupefacto, fui ainda mais longe, atirando para o ar a horrível possibilidade de o amigo do alheio estar a "divertir-se" com a minha mulher ou com a minha descendência... A resposta, pronta e concisa: "O melhor é não lhe fazer nada!"... Ou então... A parte do "então" é melhor ficar no âmbito da privacidade... Não vá a Justiça incomodar mais um ser honrado deste país... País? Este país deveria condecorar aqueles que lhe fazem favores... Paradoxalmente, condena-os... Que bananas somos!!!

sábado, 5 de junho de 2010

Abonda di um rodilho…

Hora do almoço, por entre “testos, sertãs, caçoulos e ua nabalha”… Reedições desta alma transmontana que não arreda pé… Como se a essência se renovasse a cada aragem com que a serra ameniza este tórrido calor que, a manter-se a toada, transformará os três de Inferno num quarteto ou num quinteto. Hora de “intcher o bandulho”… Com um “cibo de pito” dos que sabem ao vagar com que se “ac’moda a tenda”. Aromas que amansam esta fome de terra, ar impregnado de mágicos tormentos do espírito, volatilidades que emergem da humildade de um “tatcho” que guarda imensas histórias “strugidas” para contar. É sempre assim, assim foi sempre. A riqueza brotada deste ócio de transmontana gula, pecado não é, que a simplicidade dos humildes não consta da negra lista dos sete. Um trago de fresco néctar… Cruzadas conversas, e o refúgio no ascetismo de uma realidade sonhada, por entre montes… De emoção… Bucólicos espaços, guardadores de rebanhos de solidão, seres petrificados numa secular vivência que vida já teve e de vida se vê amputada. Um regato, distinto regato, outras azibescas crónicas registadas. A paz, ou o pouco que dela resta, semeada pelo silêncio de fantasmas que por aqui andaram, “satchos e aitchadas” em punho, “seitouras” em riste, uma “segada ou ua ácarreja” do tempo, memórias ventiladas pelas folhas na incomunicabilidade de indecifrável linguajar vegetal. Percebo-lhes as dores, apenas, e isso basta. E entro-lhes na seiva, solidariedades de quem da mesma terra brotou. Sinto-lhes as dores, também, como se os meus membros fossem uma inusitada extensão das ramificações que se entretêm num estranho bailado ao som de uma orquestra onde se conjugam os sons do refrescante vento e do sol abrasador. Por breves instantes, deixo que as minhas raízes penetrem profundamente na terra da qual sou feito, deixando-me irrigar pela água que segue o seu percurso até ao Sabor. O tempo pára, para um reabastecimento do ser, fortuitas descobertas do local onde realizei o meu primeiro acampamento escutista. E senti, de novo, o negro cavalo de ferro que aterrorizou os putos de lenço amarelo ao peito… A ponte ganhou vida, numa intemporal brevidade de confusões nostálgicas, comboio saído da moribunda estação do Azibo, fumegando, vociferando contra os enganos, numa corajosa corrida contra a resignação desenhada a carris enferrujados, flores fúnebres depositadas ao longo da sua memória, pretéritas luzidias formas, regaço de toneladas de ferro movido a carvão. O monitor do tempo apagou-se, entretanto. Tempo de fugas para outros cardeais pontos, onde resistentes searas abraçam o gigante, deixando-lhe o dorso de guardião a desenhar os contornos do horizonte. Outros horizontes se levantam… O vento fustiga as alegres mentes que vislumbram um planáltico mar, ondas de prazer olhadas do alto, humanas aves, aladas formas de quem sente o desejo de um planado voo, sobrevoando esta paixão cravada numa tela de nunca inventadas tonalidades. O apelo do serpenteante caminho reduz o desejo e incita a uma cavalgada monte acima, onde nos aguarda um prolongado convívio com o choro de encavalitadas pedras, silencioso protesto de quem moribundo está, agonizando num abafado carpir de antigas mágoas, testemunhos de indómita gente que um dia fundou o paradoxal prazer de privar com as pedras, numa estranha harmonia com a aparência do inóspito. As pedras estão lá, içadas a seco suor de um doloroso abandono, digitais impressões invisíveis, sussurros de uma finada ancestralidade, murmúrios da contemplação de um mundo onde apenas sobrevivem heróicas faces fulminadas pelo tempo, tristes olhares de uma anciã que colhe umas ervas, tímido sorriso de quem vê a privacidade da sua solidão invadida por um alienígena, eterno amante desta esquecida província, “tchotchinho”, pensará ela para os botões da sua esfarrapada indumentária corroída pela agrestia do campo. “Buas tardes nos dia Deus!”… Seguida da pureza de um desconfiado olhar. Desconfiado fiquei também dos seus pensamentos… “Q’andará pr’áqui este tchabasquetcho a indrominar? Cousa boa num debe ser! Tchamo já o mou, q’inda l’abre a cabeça ó berde“… As “pitas” soltas, excepcionais formas de vida onde paira a túnica da desertificação, interruptores para um breve desvio de atenção. Em direcção ao astro que teima na sua ininterrupta aterragem, algures onde a pobreza é camuflada a mar. Tempo de descer também, numa despedida pintada a “até já”, saudade abreviada pela entrada em cena de inesperados actores. E pela esperança representada por eólicos seres que povoam o horizonte da irmã gémea, fraterna figura da outra extremidade. Por momentos, os agravos à terra amainam, num efémero esquecimento às injúrias a que este Reino vai sendo sujeito em constância. Ergue-se da imensidão do espaço a mística imagem do panteão de indígenas divindades, talvez por lá more um transmontano deus, Aernus poderá ser. Talvez escute o silêncio das preces, talvez aceda a um “ex voto” de Zoelas descendentes, talvez tenha sido o obreiro do repovoamento de Castanea sativa, divina intervenção, que força braçal exígua é. A sonoridade do encanto esvaiu-se num regresso à realidade… Era hora do almoço… Do fundo do túnel desta prazenteira letargia, a voz da ancestralidade... “- Dromes? Atão num bês que s’arramou um cibinho d’auga? Abonda di um rodilho!”…

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Alambiques do paladar

Quando me deparo com a surpresa, não me limito a guardar o excitar das papilas gustativas no restrito mundo do meu paladar. Quando menos se espera, somos confrontados com um qualquer canto, resguardado numa pouco explícita reentrância, algures ao lado do “Lar dos Velhos” (É deselegante a designação, sei-o… Mas, vox populis dixit… Conscientemente, estou descansado: discordo da existência de “velhos”… Porque a velhice terá sempre mais 15 anos que eles…). Hoje cumpri mais uma etapa no meu real sonho de constituir uma equipa de futebol de afilhados. É a suprema forma de constatar que devo ser um mau rapaz… Estou quase lá e, verdade seja dita, assumo o papel com o mesmo entusiasmo que o fiz da primeira vez… E já lá vai um quarto de século! Tenho mais uma afilhada!!! Joana, a minha nova “joaninha”! Extravasando aquilo que não me sinto capaz de desenhar através de palavras, limito-me, neste privado espaço, à constatação paralela de que, à custa disso, descobri o “Alambique”. Poderia ser um local de repasto mais… Pelo contrário, revelou-se uma surpresa. Uma daquelas surpresas que me constrangeu a abrir uma das poucas excepções de publicidade gratuita. Afinal, o que é bom, deve ser publicitado… A começar pelo espaço, simples, equilibradamente decorado, primando o bom gosto de não nos vermos compelidos a fechar os olhos perante uma qualquer aberração. Continuando pela surpresa de verificar que o proprietário é uma das “velhas glórias” do meu Clube Atlético, redes defendidas ao longo de imensos anos, recordações partilhadas dos tempos em que olhava para ele como o último bastião das cores verde e amarelo que também defendi. As entradas, simples e bem elaboradas, nada de “nouvelle cuisine”, saborosas, apetitosas, com realce para o magnífico queijo com que os meus sensores foram presenteados. E uma sopa… Não uma qualquer sopa! Mas uma daquelas sopas em que se sente o cheiro a terra, como se estivesse em casa da matriarca, ancestrais saberes onde se misturam deliciosos pedaços de couve com um toque a verdadeiro gosto de feijão. O “Bacalhau à Alambique” estava divinal! Batatas com sabor a batata… Azeitonas com sabor a azeitona… E um travo a ervas aromáticas que desafiou os sentidos, conduzindo-os ao limiar da gula. O leitão, para quem não é um acérrimo defensor do dito, constrangeu à repetição. Pelo tostado no ponto ideal, pelo tempero “au point”. E pelo fantástico acompanhamento de legumes, de mãos dadas com um arroz que, subjectividades à parte, estava delicioso! Confesso que degluti a refeição com uma alarvidade que ultrapassa a normalidade… E, quando julgava ter as paredes estomacais devidamente recheadas, eis que surge no cardápio uma montra de sobremesas que foram incapazes de ocultar a tendência para a humildade do apetite. Descobri um espaço extra no sistema digestivo para elevar ao éden o sorriso do gosto. Especialmente pelo divinal bolo de bolacha que, durante largos minutos, entreteve os maxilares movimentos, elevando-os a um metafísico mundo, no limiar da felicidade eterna. Tudo isto não deve ser guardado na exclusividade de privadas memórias. Pelo contrário, entra no âmbito daquelas coisas boas que devem ser partilhadas. Porque, de coisas más anda a procissão cheia… "Botim-me pra cá cousas mim boas, q'ou sou um home q'l'agrada ber ua image cum gozto à'ntigo!"...