
Tenho uma relação conflituosa com o calor. Particularmente com aquele que habitualmente impera por terras macedenses no mês que foi inventado para homenagear o imperador Augusto. No entanto, confesso que já estranhava a anormalidade de temperaturas amenas ao cabo de 12 dias de estadia. De igual forma, soava-me a contra senso ainda não ter tido a necessidade de andar meio “couratcho” por casa, bem como a não restrição das minhas tardes ao fresco possível no interior de quatro paredes, tornando-me num quase eremita-morcego que toma mais duches que o aconselhado por dermatologistas (bem, ainda tenho pele, o que significa que posso persistir em refrescar-me debaixo do chuveiro)... Vulcano resolveu-se a dar sinais de actividade. Regressou a normalidade…

E com ela alguns rituais que estavam prestes a apagar-se da memória. Um deles é reflectido pelas andanças nocturnas, de compartimento em compartimento, em busca daquele que ofereça alguma amostra de uma geada perdida que me arrefeça o excesso de metabolismo. Não é fácil expor a imagem que deixo transparecer para as moscas que, aqui e ali, desafiam a minha pontaria. Esses chatos, mas úteis, seres voadores, caso extrapolassem o meu exemplo para caracterizar a espécie humana, brindar-nos-iam, à cabeça da lista de características, com algo semelhante a “tolos”.

Porque, verdadeiramente, é a algo parecido que me assemelho quando acossado pelo excesso de calor. Todavia, “não há senão sem bela” (só para inverter a lógica)… E a “bela”, neste caso, é a própria beleza das “neites de berão” - “as de berdade“ - em Macedo. A começar pela abóbada celeste. E pela forma como se apresenta visível em locais não influenciados pela poluição luminosa. Foi com o intuito de assistir a esse espectáculo único que me dirigi a Salselas na noite em que por lá decorreria a “Astronomia no Verão”.

Mesmo que não tivesse estado mais perto de Júpiter, das estrelas, das nebulosas, dos enxames, já teria valido a pena pela quantidade de estrelas cadentes que vi de “papo para o ar” virado e pela nitidez assombrosa com que se percebia o desenho celeste. A suprema delícia foi, no entanto, quase ter conseguido agarrar a Lua, aquele corpo que vai mudando de forma ao longo do mês e que, sabe-se lá se por reminiscências genéticas de cultos de ancestrais, exerce um enorme fascínio neste “lunático”. Ou talvez esta atracção exista, simplesmente, pelo facto de a Lua não emitir calor e só despontar no horizonte quando o termómetro já se encontra abaixo dos trinta graus… Não seria essa a temperatura na inauguração do “Macedo ComVida”. Mesmo tendo ocorrido quando os ponteiros já se encaminhavam para as onze da noite. Horários da “portugalidade”… Foi espantoso embrenhar-me no meio do calor humano para assistir a um espectáculo de fados.

Especialmente porque o mesmo ocorria numa terra situada bem na periferia dos centros donde emana a tipicidade da dita canção portuguesa (como se Portugal fosse apenas o Ribatejo, a Estremadura ou o Alentejo). Para lá do consagrado António Pinto Basto, foi uma oportunidade para ouvir e ver, ao vivo e a cores, a nova coqueluche da canção macedense.

Já aqui lhe tinha feito elogiosa referência anteriormente. A Ana Rita Prada tem, verdadeiramente, uma voz divinal. No entanto, parece-me talhada para outros voos que não a canção herdada dos resquícios da aculturação árabe. Opiniões… E hoje há resquícios da aculturação celta…

Soam-me melhor esses sons… Tal como o fazem os provenientes do incomparável concerto nocturno de grilos, acompanhados, ao longe, pelo latido de seres caninos que vão conversando numa linguagem que este humano tentava perceber… Até ter desviado a atenção para uma coruja pousada na antena do telhado em frente. Atenção que a fez zarpar a outras paragens, num quadro inimitável, desenhado à magnificência do bater alado e pintado aos tons alaranjados provenientes da iluminação pública. Magníficas “neites de berão”!…
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