Bem Vindo às Cousas
Puri, se tchigou às COUSAS, beio pur'um magosto ou um bilhó, pur'um azedo ou um butelo, ou pur um cibinho d'izco d'adobo. Se calha, tamém hai puri irbanços, tchítcharos, repolgas, um carólo e ua pinga. As COUSAS num le dão c'o colheroto nim c'ua cajata nim cu'as'tanazes. Num alomba ua lostra nim um biqueiro nas gâmbias. Sêmos um tantinho 'stoubados, dàs bezes 'spritados, tchotchos e lapouços. S'aqui bem num fica sim nos arraiolos ou o meringalho. Nim apanha almorródias nim galiqueira. « - Anda'di, Amigo! Trai ua nabalha, assenta-te no motcho e incerta ó pão. Falemus e bubemus um copo até canearmos e nus pintcharmus pró lado! Nas COUSAS num se fica cum larota, nim sede nim couratcho d'ideias» SEJA BEM-VINDO AO MUNDO DAS COUSAS. COUSAS MACEDENSES E TRASMONTANAS, RECORDAÇÕES, UM PEDAÇO DE UM REINO MARAVILHOSO E UMA AMÁLGAMA DE IDEIAS. CONTAMOS COM AS SUAS :
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Anatomia do abandono
Sexta-feira Santa, numa quase madrugada de almoço, invenção de desfasados horários. Alvorada em dia de abstinência, o diz a tradição, que a que carroça puxa jejua de árduos trabalhos de provimento de proteínas, deixem o peixe ter voz, sabe-se lá porque artimanhas de insatisfeito bulário... As pecaminosas mentes anuência dão à secular tradição, relegando a "tchitcha" para o baú da espera, voz dando à saborosa alternativa de um bacalhau assado na brasa. Mas isso são contas gastronómicas mais viradas para vespertinos períodos... Porque, entretanto, o chamariz do exterior superou a espera de satisfação do paladar. Não que a meteorologia estivesse disposta a dar tréguas, assim o anunciava o céu, pintalgado aqui e ali com umas pinceladas de tímido azul. Factor que impeditivo não foi a um périplo por circuitos de ciclismo de juvenis tempos. Fustigado o pára-brisas por tenebrosas bátegas de água, enfurecidas por um qualquer demónio escondido atrás de nuvens em tons de cinza, arrastadas num estranho bailado de aleatoriedade. Pecados que me penitenciam a observar o mundo meu através de monótonos movimentos de negras escovas... Cumprida a pena, em melancólico arrastar que conduziu, vagarosamente, por Vale de Prados, Pontão de Lamas, Gradíssimo, Amendoeira, até a um retorno a mergulhos de encanto, devaneios no estradão da Barragem da Carvalheira. Amainada a tempestade, retemperada a vontade, regresso pelo mesmo caminho, num apreciar de uma beleza única que afaga a saudade e alimenta a alma. Subitamente, Arrifana, iluminada pela fugacidade de uma revivescência do astro-rei. As hordas de gotículas que o passeio atormentando iam, deram uma breve folga à sua irrequietude, permissão dando a uma reconfortante, mas triste, incursão ao abandono. Imobiliza-se a viatura, olha-se em redor numa estonteante busca de vida, como se o desejo de estancar a frustração se sobrepusesse ao desespero que consome. Nem vivalma, fantasmas, apenas fantasmas, ou os ténues gemidos do xisto empilhado, onde resiste, que as agruras da passagem dos anos apagando vão o que em tempos serviu de abrigo à vida. Sobrevivem esqueléticos testemunhos de ancestral arquitectura, amparados, aqui e ali, por madeira corroída, suporte de telhas de meia cana que abatidas vão sendo por invisíveis projectéis do ostracismo. Percorrem-se as toscas artérias que um dia foram preenchidas a passos, imaginam-se pegadas carcomidas por vegetal vida, observa-se o vazio, penetrando-lhe nas entranhas em busca de algum sinal que estanque a angústia da premonição de definitivo encerramento. De súbito, um cachorro, cauda em alegre abanar, desenfreados pulos de encontro a duas "aves raras" com bípede postura. Afinal, ainda há vida! Deve o canídeo estranhar a presença de dois seres, alienígenas formas invasoras de um espaço onde pouco mais deve conhecer que a familiaridade da silhueta dos donos. Na probabilidade de incrementar a estranheza por ser bafejado por carícias de um par de seres desprovidos de rugas do tempo, faces queimadas pela agrestia, olhos marcados pela dureza dos dias. Entretanto, do nada vindo, familiares sonoridades do trote de um equídeo, mágico interromper do eco do chilreio. E um ser humano!!! Estranha visão... Estranha e breve visão... De um cavalo a saciar a sua sede no tanque do largo, olhar desconfiado dirigido a dois imóveis seres que se deliciam com a inusitada visão. Prossegue a jornada, um desvio mais, que poucos se hão-de fazer sem o retorno da monotonia eivada a pequenez. Uma paragem na frontaria da capela dedicada a Santo Estêvão, dizem-no na Europa padroeiro dos cavalos, coincidências de cavalar espécime a pavonear-se nas imediações. Dá-se permissão à regressão temporal, épocas outras, imaginação ornada a vida que por ali houve, saúda-se mentalmente a gente que passa, carregada de agrícolas alfaias, ou a anciã que transporta a sua "gabela de guiços" para atear a fogueira que inunda a tradicional cozinha a fumo, "bueiro" aberto para renovação da névoa. Talvez haja um forno comunitário, é dia de folares, sorrisos abertos, descalças crianças em frenética correria, gente à janela a saudar os visitantes. «Bôs dias nos dia Deus! Atão andum de besita? Us senhôs num são de cá, or não? Bá, ande di a comer um cibo de folar, sub'ás scaleiras q'ou já lo ponho. Mas olhe q'hoije num se come tchitcha, q'é pecado»... Do fundo da algibeira surge o aviso da modernidade, alerta para o bacalhau pronto a degustar. Retorno à realidade de Arrifanas muitas, vestígio toponímico árabe, o dizem os entendidos, "ar-raihân", terra de murtas, "ar-rihana", terra de hortas. "Bem m'ou finto, que bus-jiu digo ou! Atão os sarracenos nim tempo tiberum pra s'alibiarem nestas terras do catano, quanto mais pra botarem nomes às cousas!"... É verdade que uns notáveis frades eruditos se dedicaram a detectar "vestígios da língoa arábica" em terras portuguesas, mas Arrifana está longe de ser terra de murtas ou assemelhada às planícies da Vilariça. Olhe-se para o lugar semi-abandonado, do alto da antiga estrada a macadame, e perceber-se-á o conceito de arrife, vocábulo em desuso, ainda utilizado em pleno séc. XVI no "Livro do Tombo das demarcações dos lugares das comarcas de Tralosmontes", onde surge na designação de um lugar a expressão "arryfe de pedra"... E diz-nos José Pedro Machado, no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, que Arrifana é uma "Série de arrifes". Arrifes? Coisa árabe, certo é, disseminada por todo o continental território, com extensão à freguesia de Arrifes em Ponta Delgada, dizem-no derivado de "ar-rif", flanco de montanha, zona pedregosa ou, simplesmente, rocha e pedregulho... Contam-no as lusas influências por insulares terras das Canárias, onde "arrifafe" significa terreno estéril, ou "arrife" tem como significado "terreno inculto ou pedregoso"... Coitada da Arrifana! Di-lo, também, certo geológico linguajar, onde ha arrifes em serras, como a de Aire, escarpados de falha os denominam... Seria mais poético vê-la como terra de D. Arriana, medievais nomenclaturas de descendência de D. Mumadona. Ou como bíblicas influências, Jarif o clama Neemias (7:24), Harife se pinta em hebraico, ou Arrife, alternativas formas o desenham... Ou cousas da mitologia, dizem-na irmã de Aretusa... Chega de seca, que se me espanta a saliva e se me enruga a cavidade bucal... Vou à Santa Catarina beber um pouco de água da fonte...
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