Não desdenharia da possibilidade de enveredar por um desfilar de simbioses vocabulares eruditas. Dotado de uma parafernália de dicionários, enciclopédias, gramáticas e demais acessórios livrescos como leais conselheiros, dúvidas não me assistem acerca da capacidade de vomitar um bolo alimentar desenhado a algo que se assemelhasse a erudição. Mas não me apetece... Pelo contrário, surge-me uma irreprimível apetência para vernaculizar. Descansadas fiquem puritanas almas, apelo não farei à brejeirice, mas esforços não regatearei para alcançar a pureza da mais recôndita essência. Depois, plagiando o que insistentemente circulando vai por sociais redes, "Vão-se foder!"... Porque é assim, basta recorrer a um tasco perdido numa qualquer aldeia perdida deste perdido Nordeste e, salve-me Nosso Senhor, uma "manilha" mal jogada azo dará a um soltar de língua que, desmedidas palavras, executará um indomável "caralho'sta racontrafoda atão num te fize sinal q'o áze num no tinha ou". Assim mesmo, sem vírgulas ou demais pontuações, expelido com toda a força que os "botches" permissão derem, vozes entrelaçadas num "abonda di mais uas mines, q'o mou parceiro já num faze ztinção entre um baléte e ua sóta". Entretanto, descontroladas emoções, algum dos comparsas poderá sentir um aperto no peito, dor atroz que polui o discernimento, sente-se a vida a esvair-se, atrapalhações muitas, "tchamim o cent'i doze, q'o home se pintcha pró lado, que mim branco stá!". É assim no "fim do mundo", ficcionais âmbitos à parte, que de ficções está o mundo "tchêo", e de realidades "tchêo" está este "cibo" de terra confinado a geomorfológicas condições de Trás-os-Montes. Caros senhores à beira Tagus sentados: os mares nunca dantes navegados não se confinam a Atlânticos, Índicos ou Pacíficos; há também um Mar de Pedras, enviesado entre a Estrela Polar e o Sol Nascente, onde marinhos monstros não há, monstros os haverá, quando cá vêm tentando convencer as gentes que os calhaus à beira-mar paridos são de suprema casta, comparados sejam com ígneos ou metamórficos calhaus neste paraíso nascidos. Por isso ontem saí à rua! Confesso que desvirginei o meu comodismo, apenas porque me habituei à salutar santidade de um Pedro Hispano, de um Santo António ou de um São João, ali mesmo, quase ao virar da esquina, à mão de semear, sem necessidade de recurso a helitransporte que me garantisse uma chegada em 30 minutos (!!!!). Por isso ontem saí à rua!!! Porque viver em Soutelo Mourisco, em Vilar Seco de Lomba ou em Peredo de Bemposta é de uma distinção que deveria fazer roer de inveja aqueles que, recheadas contas bancárias, lustrosos gabinetes, se reduzem à imbecilidade de me tratar como um número. Por isso ontem saí à rua!!! E senti uma emoção nunca sentida ao ver a minha gente testemunhar a importância de umas hélices, ao olhar para a inocência de uma criança salva pela eficácia do que pretendem, agora, retirar-lhe. E emocionei-me ainda mais, ouvindo esta gente exposta à gatunagem de gabinete a entoar o Hino do país que lhe quer vilipendiar a pouca saúde que lhe resta. Paradoxos dos dias, descendentes das estirpes dos que infiéis acossaram, filhos dos que este pedaço ao reino agregaram, vergastadas sofreram para pertença terem a este flato lusitano que agora os quer ver morrer agarrados a giestas e castanheiros... Por isso saí à rua!!! Calma e pacificamente, trajado a luto, de palavras de ordem não abusando, coisas de feitio (ou defeito), palmas das mãos aquecendo para ânimo dar a muitas faces talhadas a esquecimento. E, excelentíssimo reverendíssimo senhor presidente do INEM, minhas faço as palavras de quem, gentilmente, lhe endereçou o convite para um pitoresco percurso de ambulância (pode ser uma VMER, uma SIV ou qualquer outra coisa de quatro rodas) entre Miranda do Douro e Bragança. Se tem os "arraiolos" no sítio, bem presos "ó meringalho", "bote cá buber ua pinga"!
No tempo em que decorrer a confortável viagem, para que não sinta a angústia de curvas e contracurvas, sua ilustríssima excelência terá à disposição um inexcedível serviço de tradução, não só do sentir de um povo, mas também do significado de "arraiolos" e "meringalho" (com versão extendida para eunucos), assim como, enquanto "enfarda o bandulho" com umas agradáveis alheiras (ou tabafeias, se aceitar a sugestão de partida), lhe será gentilmente explicado o significado de "alombar", "stadulho", "seitoura", "aixada" e, especialmente, "mangar". Porque, "mangação" é algo pelo qual os Nordestinos têm pouco apreço... Por isso ontem saí à rua!!! Junto do Heliporto Municipal, local onde, a troco de um digno serviço que a actual ladroagem quer retirar, foram gastos uns parcos milhares do erário público, enquanto se me embargava a voz ao som da união de um Hino, lembrava-me dos tempos que passei por "Al-Lixbuna". Um dia, alguém da sua estirpe, com toda a certeza, mandou-me calar em termos menos próprios, dignos de uma certa e característica altivez: «- Cale-se lá, Sr. Trasmontano! Acaso não sabe que Lisboa é Portugal e o resto é paisagem?»... Nesta humildade de calhau parido atrás dos montes, afectuosamente respondi: «- Não, Senhora Professora! O Norte é que é Portugal! O resto são conquistas»... A História tem sempre a particularidade de poder repetir-se... Por isso ontem saí à rua!!!
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