Bem Vindo às Cousas

Puri, se tchigou às COUSAS, beio pur'um magosto ou um bilhó, pur'um azedo ou um butelo, ou pur um cibinho d'izco d'adobo. Se calha, tamém hai puri irbanços, tchítcharos, repolgas, um carólo e ua pinga. As COUSAS num le dão c'o colheroto nim c'ua cajata nim cu'as'tanazes. Num alomba ua lostra nim um biqueiro nas gâmbias. Sêmos um tantinho 'stoubados, dàs bezes 'spritados, tchotchos e lapouços. S'aqui bem num fica sim nos arraiolos ou o meringalho. Nim apanha almorródias nim galiqueira. « - Anda'di, Amigo! Trai ua nabalha, assenta-te no motcho e incerta ó pão. Falemus e bubemus um copo até canearmos e nus pintcharmus pró lado! Nas COUSAS num se fica cum larota, nim sede nim couratcho d'ideias» SEJA BEM-VINDO AO MUNDO DAS COUSAS. COUSAS MACEDENSES E TRASMONTANAS, RECORDAÇÕES, UM PEDAÇO DE UM REINO MARAVILHOSO E UMA AMÁLGAMA DE IDEIAS. CONTAMOS COM AS SUAS :







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quinta-feira, 28 de março de 2013

Bô! Dunde carbalhitchas s’indrominou o folare?


Coisas há que nos acicatam esta soberba de às pedras ter pertença. Como se os desafios se sucedessem, numa amálgama de formas aparentemente desconexas, entre prefixos e sufixos, radicais tantos de heranças latinas, árabes, helénicas e outras que tais, bárbaras até, os clássicos o diriam. De quando em vez, sofro deste achaque de contrariar o estabelecido. Demência, o dirão os intelectuais que, avantajado pedantismo, se servem à sobremesa do que vomitado é pela plebe… Afinal, Chacim não era adaptação linguística do arcaico “porco selvagem”, nem chacina de Árabes seria… Solte-se o porco ou tire-se coelho da cartola, não o derivado das pedras, antes o parido na humildade de ter a pretensão de contrariar o estabelecido. Repiquem os sinos da mente!... E recensões académicas venham à causa…
Mas deixemos o “Flacco” de lado e esqueçamos a “villa Flaccini”, outras que tais, que de sericicultura foram outras épocas desenhadas. É tempo da suavidade sedosa de folares a tecerem o êxtase de gustativas papilas, adornados a inconfundíveis aromas desprendidos pela “tchitcha” que recheio lhes dá. É a tradição a marcar pontos neste infame jogo de gula ancestral. E a eterna e histórica dúvida sobre “dunde carbalhitchas s’indrominou o folare”?
Descansem culinários peritos, imiscuir não me vou na excelência do que excelente é. De receitas quero saber-lhes apenas o resultado… E o registo das etapas… Ou inventá-las… Mas ao que interessa vamos…
Qual o significado de folar? Dúvida dos tempos, incisiva questão, dicionaristas se consultem, na embasbacada postura de possuir o dito folar uma origem obscura, especialistas dixit, impossível sendo atribuir-lhe, com segurança, um étimo latino... Como só acreditarei incondicional e piamente na ida à Lua quando lá “botar as patas”, de S. Tomé influências, pruridos me gera esta coisa de os ditos especialistas “botarem” obscurantismo na paternidade do vocábulo “folar”. Quando provo a iguaria, sabe-me a tudo menos a filho de pai incógnito… Ou a resquícios de germânico bolo, “flado” o diz o insuspeito Moraes, como se o mel algo tivesse a ver com o folar. Ou “poularde”, como o afirmam Faria e Lacerda. O folar derivado de frango?! De frango?... Creio mais nas derivações lendárias de Mariana e Amaro, mais o fidalgo sem nome, “floralis” o dizem os entendidos. Creio mas não acredito! Insuficiências de descrente… Só porque, raridade legada pelo “Tabellião” da excelsa vila medieval de Ferreira de Aves, lá para finais do séc. XIII, feito foi um “emprazamento” de metade de um moinho localizado em Folares. Onde? Folares??? Hummmm…. Dizem actuais cartografias que a dita Folares do documento evoluiu para Forles. Auscultem-se, de novo, os entendidos em toponímicas questões e de Folares a Forles influência terá tido a antroponímia de Froila derivada. 
Coisa em que, massa de farinha e ovos pelo meio, não acredito. Mais coisas da descrença… E adiante que, suspeitas da gula, lá me conduziu o folar à fogaça, iguarias de Terras de Santa Maria. Daqui a terras da península itálica foi um salto de pulga… E apareceu a “focaccia” a esgrimir argumentos. Mergulhe-se nas “Etimologias” do célebre Isidoro, lá para meados do séc. VII, e já por lá se vê a “focaccia”, meandros do fogo, “focus” para os pais da latinidade. Do fogo sairá, mundo pagão dos Deuses Lares a acrescer, no feminino de “focácius”. Talvez me “botasse” agora a um “carólo” do bem latino “panis focacius”… Há-de ter evoluído, tê-lo-á feito, seguramente, ou não teríamos hoje o “focolare”… Digo eu, na insapiência vertida de uma qualquer adquirida ignorância. Ou não nos dissesse a De Laude Virginitatis que
o conduto se “coctura in focularibus praeparata”… Derivações de paternidade em “foculare”…
Avance-se até ao medievo, das trevas lhe chamaram, erradamente o direi. Voemos até à Baixa Latinidade, ao “focagium”, imposto de feudalistas timbres, por cá derivado em fumádego, direito de fumagem ou fogaça. Lá teria de haver explicação para se contarem fogos ao invés de casas… E já se pagava uma imberbe forma de IMI… Aos desgraçados dos contribuintes, «alem do foro a que sam obrigados e concertados com o senhorio oyto alqueres de fogaça»… Só para um exemplo citar… 
Ou outro, lá para o séc. XII: «…Et in servicium unam fogazam de duobus alqueiris tritici…». Por estas bandas, também os ilustres donatários do infeliz Mosteiro de Castro de Avelãs se rogavam ao direito de considerar os que em suas terras moravam «bassalos do mosteiro» e «pagam mais de fumadego cada hum para acender foguo quatro dynheiros e meio». E das obrigações seculares, dos tempos evoluções, se terá passado para as religiosas. Como diz o inestimável Abade de Baçal, «Também na mesma semana gloriosa os párocos visitam as casas dos fregueses, lançando-lhes água benta e suplicando a Deus que prospere bem os moradores, ao mesmo tempo que levantam o FOLAR.» Ou resquícios do «focagium»… Pagamentos em «focolare»… Ou em «fo(co)lar(e)»… Digo eu…
        

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Dias de Festa


Repete-se o fenómeno, ano após ano. Avivam-se memórias em desconcertados Domingos temperados a bafo do estio, Agosto no seu auge, vielas inundadas a "voitures", valorosa gente da labuta além-fronteiras que regressa ao cantinho da infância. Por instantes, perde-se o sentido de Nordeste quando um «- Atão, stás bô?» é substituído pela simplicidade de um «- Ça va?». Mas a genuinidade não é renegada, "coffres", "poubelles" ou "vitesses" em sentido quando se solta um sorriso na companhia de um inenarrável «- Ah car.... ma rafo..!», "carbalho ma racosa" em eufemística versão, que este equivalência não tem para lá das fronteiras do rectângulo. Juntem-se-lhe uns "intremóços" e "ua pinga" e "desentorna-se" o caldo da essência. É só aliviar o momentâneo entorpecimento da alma com um "ricardo" ou um "martine c'ua mine", solta-se a voracidade de momentos idos, relembram-se aventuras tidas e nunca tidas e «- Anda di buber um copo!»... Já não há alvoradas marcadas a ritmo de silvos de "barelas", mas persiste a banda nos seus acordes de eterno marco de raízes. Largos engalanados a bandeiras e bandeirolas, coloridas a modernidade, já lá vai o tempo de artesanais irmandades decoradas ao sabor de triângulos e demais geométricas figuras, apresta-se a gente para a solenidade anunciada pelas badaladas. Alguém "imbarrado" na torre sineira, pernas "scarnantchadas", alterna a sinalética do ritual ora massacrando o sino da direita, ora alvejando o da esquerda. Os menos afoitos a religiosidades, escapolem-se para o tasco mais próximo, sacralizaçóes cervejeiras, alcoólicos compostos outros por vezes, ou lavagem à adega com "auga" gaseificada dos lados de Sampaio. Duas de treta, "bota-se" um olhar de soslaio à aperaltada com excessivo decote, olhos esbugalhados pela infâmia de largos centímetros de perna "ó léu", trocam-se mais umas desconversas de ocasião e, ressequidas gargantas de matinais conversas - e de nocturnas lembranças - "bota" lá mais um encosto labial a "ua mine". Vai soando a homilia, elevações da alma, apresta-se a gente para homenagem prestar à padroeira, anormal ajuntamento defronte do adro. Distribuem-se mais uns "bacalhaus", um "tchi" acolá, sorrisos e um burburinho de encontros de gente da terra. Segue o cortejo processional pelas ruelas da ancestralidade, devoção de muitos, olha-se o abandono com irreprimíveis dores de nostalgia enquanto a banda vai devorando pautas e os passos vão percorrendo, vagarosamente, o que foram trilhos desenhados a pó. Ainda restam alguns exemplares de encavalitamento de xisto, testemunhos de outrora, imóveis seres que a inexorável modernidade ainda não digeriu. Percurso de recordações de um imberbe mundo, expelem-se memórias com acompanhante descendência, saúda-se os que por perto partilhando vão a breve peregrinação. Estará o repasto pronto, tempos outros em que melhorado era, vão felizes os tempos de diferenças poucas para o quotidiano dos dias. Já não se fica para a arrematação das flores, vai clamando o "bandulho" por atenções, redundâncias da espécie, esperam os assados por salivares excitações. Crescem as mesas mais de palmo e meio, acomoda-se a gente ao redor, parecem as salas diminuir com a afluência. Vão alternando os sorrisos com olhares embrenhados na tristeza proporcionada pela saudade, os que não estão e poderiam estar, os que já estiveram e deixaram o legado de uma gravação na retina, e o coração a palpitar pela memória de sublimes tempos. Principia o repasto, desembucham as almas enquanto os espíritos se soltam, as línguas também, cruzam-se conversas e alimentam-se, em simultâneo, os estômagos e os canais auditivos. Há sempre uma história nunca contada ou, se contada já foi, de ponto um acrescento, a novidade se assemelha. Vociferem os descrentes, mas aqui a carne sabe a "tchitcha", o feijão verde tem o sabor de "casulas" e a alface tem o encanto de "selada". Junte-se-lhes o "pupino" e "ua talhada" de melão, por cima o de tostão, desliza o encantamento e fica um "home cm'um tchintcho". Depois, os caminhos não vão dar a Roma. Tropelias do hedonismo, "pança tchêa", os carreiros de gente afluem ao digestivo e à retoma de cafeínicas poções. Renovam-se saudações, conversas de ocasião, "bota mais ua q'agora pago ou". A efémera felicidade ou o êxtase de frustrações encarceradas por um dia. Paira no ar uma certa libertinagem, como se um qualquer comando tivesse ateado um fogo que não arde. Berram os putos em loucas correrias, rosadas faces de adulto em algazarra, parece o tempo fluir em desenfreados paradoxos de ida ao futuro com retorno ao pretérito sem percepção do presente. "Que sa racosa a crise, ou lá o que carbalhitchas dixo aquela que s'aparece c'um home e que dize uas bajoujices quaisquera n'ua língua que num se percebe nadinha!"... Energias repostas, galgue-se a distância que separa o campo da bola, tractores a postos para inusitadas corridas, banho de pó à espera. Há-de chegar o sorteio da vitela, dependência de vontades da dita de o campo estrumar.
Um "finito" para aliviar a acumulação de poeira, sente-se um estranho apelo para "mastruquir", alianças entre a fome e a vontade de comer, regressa-se "ó pobo" onde, artesanais desvios, já soa a preparativos de arraial. Geram-se acumulações lipídicas e demais compostos contraproducentes, recuperar-se-á amanhã dos abusos, que em dia de festa não há quem morra de hipoglicemia. Estreitam-se os laços, selados a etílicas partilhas por vezes, enquanto vão afinando os acordes da banda. O "conjunto" há-de tocar a seguir, ecoarão sonoridades de popular âmbito, aglomerar-se-á a gente defronte do palco, passo para aqui, outro para acolá, siga o bailarico até que as pernas doam. Amanhã é já ali ao lado e será outro dia... Normal...            

sábado, 21 de julho de 2012

Segadas de intenso sentir por terras de Morais

Volatiliza-se o tempo, ensimesmado, o peso das pálpebras parece flutuar na excitação de revivescências que aproximação têm. Dentro de horas poucas, há que madrugar, o diz gente de árduas tarefas, ajeitam-se electrónicos ponteiros de um duo de despertadores, não vá Morfeu tecê-las. Desperta-se, ainda o galo não cantou, pois se galináceos já a "vila" não povoam, neurónios em agitação, descoordenados movimentos de uma falsa percepção do dia que há pouco a noite abandonou. Na refrega de uma batalha entre a vontade de ir e o peso do conforto de um leito, vence a primeira, saber-se-á lá por que armas. «Tá a despatchare, meninos, c'um catantcho, bamos prá segada!!! Drumis na biaige»... Tenta-se avivar a ancestralidade com tonalidades nascidas das pedras... O breve percurso pedestre até ao Jardim reaviva a noção, matinal frescura a sacudir o escalpe, incrementa a força que parece finar. Já esperam os companheiros de jornada... Estremunhadas mentes em alvoroço, à direita, metálico e alvo arvoredo da serra em saudação, Castelãos já lá vai, palavra puxa palavra, o Santo Ambrósio nunca pareceu tão perto, Limãos em recepção a crentes nas tradições. Penetra-se num distinto planeta de terras coloridas a sangue, parece aqui residir xística hemoglobina, Umbigo do Mundo, o Rheic suprimido por sequências de um qualquer sei lá, alóctones às "carritchas" de autóctones, geológicas linguagens, ou pedras que contam a estratigrafia do tempo. Há milhões de anos não havia segadas... Ao virar da curva, "santandre de moraaes", refastelado ao abrigo da Paixão, histórias muitas de lonjuras tantas, a Senhora do Monte as guardará. O ajuntamento grande não é, aqui e ali, um vestígio do que se seguirá. Talvez a camarada de segadores fotógrafos tenha dado corda em demasia ao relógio... Subitamente, o aglomerado ganha outro colorido, olhares de soslaio aos forasteiros, chega o Sr. Joaquim para fazer as honras da casa, distinto defensor da terra, venha de lá a "mãozada" de virtual amigo de sociais redes! A descendência insiste em abstrair-se do mundo, sonos por dormir, há sempre um improvisado banco para refastelar o peso de uma noite mais breve que o habitual. Arrancam as tropas, chapéus de palha a condizer, típicos trajes de outrora, afiam-se foices para cerealífera guerra, segue o jumento no cortejo, regalam-se as vistas com o que inusual vai sendo. Sorrisos em riste, um apetrecho aqui, outro acolá, vinho há-de haver para refrescar os "por dentros", que a faina enrijece os músculos mas desgasta o estômago. Começa a refrega, discutidos preços, pareceu-me ouvir "setent'e cinco scudos, bôs tempos que bu-jiu digo ou!". Agora é tudo "im ouros"... Ah, valentes! Vai tombando o cereal, avança o pelotão sem grande resistência, merecido retemperar de forças a vínico sentir, ou água para compensar. Chegam retardatários, faces emolduradas a vontade, um sorriso mais, distinta gente que aquece a alma. De súbito, ouvem-se vozes ao desafio, cantarolar aqui, uma piada que surge do nada, gargalhadas entrecortadas por mais um copo para amansar a dureza de ressequidas gargantas. Vai-se erguendo o astro, despoja-se o corpo das vestes protectoras de matinal brisa, vão-se debatendo inferiores extremidades com as estocadas do restolho. Quem por gosto corre, não cansa... Saltita-se para direita, apressa-se o passo para a esquerda, tenta obter-se o melhor ângulo. Desatam-se as cordas do fascínio, poderosos momentos que apaixonam, inexplicável intensidade de um Reino, saudades do futuro ou qualquer paradoxo que não cabe no universo das palavras. Acaricia-se o orgulho nestas terras com sorrisos em alternância com desregrada emoção, talvez apeteça soltar uma qualquer lágrima, regressões ao pó da infância. Desvia-se o olhar para hábeis mãos que o tempo curou, marcas que apetece registar, é indescritível a "proa" que vai assaltando o que escreve. Soltam-se registos nunca registados, perenidade de memórias que se julgavam caducas, um trinar de inexistentes cordas desafinadas, talvez sejam alinhados "stadulhos", corre-se desenfreadamente em direcção àquela melodia tão familiar, canto de carpideira, o chiar de um carro de bois! Sente-se um estranho aperto no peito, atroz felicidade, se a há. Arrepiante, inenarrável, vulgariza-se o tempo na efemeridade de um segundo, o sabor da eternidade guardado num frasco desenhado a objectiva. Fui bafejado pela lotaria da imortalidade, gravada naquele momento de um concerto a duas rodas! Alguém tivesse percebido o olhar de criança e veria o resgate do encantamento de uma qualquer infância passada entre montes e vales. Cousas de um Reino Encantado... Pegue-se na "spalhadoura", desafie-se a gravidade, mansa junta em apego à terra, orgulho dos donos, que "mim contcha" que estava a gente! O alvoroço dos dias... Carros carregados, arfam os bichos para a posteridade, sorriem segadores com a colheita. Hora de retemperar energias, há-de o almoço chegar, avolumam-se conversas na permanência de uma sombra. Afaga-se o dorso da imponência, num Trás-os-Montes que definhando vai, abre-se um ficheiro especial para recuperar memórias no porvir. Um registo mais, apenas, e outro mais de seguida, parecem as opções exceder a capacidade de retenção. Inclui-se um plano mais, só mais outro, e ainda outro mais. Aproxima-se o calor da hospitalidade, convidados estamos para o repasto. E que repasto! Opíparo, suculento, saboroso! A simplicidade das coisas inesquecíveis: as sopas da segada! «-E atão num bota ua pinga?»... Claro que sim, para aconchegar! Ainda há lugares assim, onde se aplaca a sede com a pureza de gestos simples. Ainda há gente assim, que nos aconchega a alma com a sua grandeza. São sentimentos que apenas se sentem... A gratidão é um deles... Obrigado, gentes de Morais! Talvez para o próximo ano possa ficar para a malhada, "pra buber mais ua pinga"...    

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Chocalhos Entrudeiros

O profano em sagrada aliança com a ritualização da magia, o Entrudo Chocalheiro, néctar da essência, demoníacas figuras alvoroçadas pela tradição, histórias muitas contadas pelo "mou" Ti Manel Alfaiate, enquanto se amacia o esófago "c'ua pinga de binho e um carólo c'um cibeco de queijo frezco". Os potes repousam afagados pelo calor que vai emanando do "strafogueiro", cenário de perdição, os sentidos anestesiados pelo que ainda não foi desvirginado pela mediatização. «- No mou tempo é q'era! Um mês im antes do Demingo Magro já nos botábamos por aí a fora, de terra im terra, éramos piró q'ó diabo! Um dia, im Baldrez, querium-m'ir ó focinho, c'um carbalhtchas! Ium-me racosendo o lombo, puso-me a tchucalhar ua rapariga e, bá, fi-jiu d'apropósito, botei-l'ua mão à teta, que mim consoladinho q'ou staba. Mas o catano da mulher pôsu-se ós berros e ós homes num le tchaldrou a cousa!»... Permaneço no "scano", deleito-me com o êxtase da descendência em redobrada atenção pelas "stórias" de quase 90 anos de vida, risos contidos sempre que a atmosfera é brindada com algum termo em vernáculo linguajar, perdoem-se os excessos, já está a adolescência imunizada por este saudável convívio com as pedras. É hora de abalar, cumprido o culto da ancestralidade, renovem-se alianças, sorrisos se gerem, que a solidão também vai precisando de um abraço. A Casa do Careto é ao virar da esquina, deslize-se pelos paralelos que emolduram o solo gasto por ancestrais correrias desenfreadas. Selem-se amizades ou conhecimentos que o tempo não apagou, prossegue o desfilar de constelações em tonalidades de geada, uma ginginha para atenuar as agruras, dois dedos de conversa de recordações muitas por florestal casa. Entretanto, abotoam-se os casacos para amenizar a brisa cortante, aproximam-se as almas de improvisada fogueira, cuidado com as "falmegas q'inda racosim á'lbarda", e olha que já lá vai o cortejo. Aproxima-se o ajuntamento no terreiro defronte de lugar sagrado, vozes afinadas pelos excessos, ecoarão casamenteiros pregões pelo silêncio da noite, funis a postos, improvisações da memória dos tempos, dizem que vão casar a filha do padre, traições da língua, afinal era a irmã, irá desposar a Macedo ou a outro qualquer lugar de rimas feitas. Demoníacos pactos ou sátiras que ninguém leva a mal, seguem os foliões em inversa procissão, fotógrafos em algazarra para obter o melhor ângulo, domina a cerimónia de anos tantos, vozes substituídas pelos sons da terra, primazia à gaita-de-foles a encabeçar o desfile. Trajecto em sublimação dos sentidos, como se a noite, de repente, se metamorfoseasse em dia, e do tempo restassem apenas resquícios de passadas sucessões de vinte e quatro horas. Detêm-se os espíritos em comunhão de propósitos, chega processional cortejo ao destino, colectivo homicídio a fogo e luz, queime-se o Entrudo, pasmados olhares que irrompem do aglomerado, olhos postos em pirotécnicos efeitos, gargantas sedentas, anuncia-se a queimada, alcoólica "galdromada" de intensos aromas. Improvisa-se o "bailo", roda para aqui, encontrão para acolá, espíritos felizes e faces marcadas por uma estranha harmonia em época de recessão. É tempo de rumar ao outro lado da rua, penetre-se nos sons que a tenda suspira, ouçam-se acordes com sabor a terra, aqueçam-se extremidades com aplausos ou trôpegos passos de dança. É um regresso ao passado, emotivamente bem recebido, soltam-se as almas e renegam-se os maus espíritos. Cometem-se excessos, inigualável Paulo sempre na dianteira, correm-lhe máscaras de lata no sangue, a alma é-lhe tecida a fios de lã coloridos e a chocalhos sempre em alvoroço, incontornável figura sempre presente. Agora é tempo de aplacar os exageros, penitenciem-se as carnes, folguem os foliões, segue a vida ao compasso da Quaresma, hão-de esquecer-se as casulas e o butelo, aguçar-se-ão os sentidos pela aproximação da limpeza às teias dos fornos. Os folares serão já ao virar do calendário... Dizem que o Carnaval são três dias... Em Macedo e Podence são quatro...
     

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sfouras d'algua proa...

Bai-se pur um strafogueiro, trai-s'ua gabela de guiços e ua pinha, tchisca-se-l'um dus lumes, amanha-se bem a cousa pra que num haija muntas falmegas, num bá o catantcho do diabo ingaliar-se co'as as côtras do tchupão... D'ás bezes bota-se-m'esta buntade d'infardar um cibo de lombo de reco d'adôbo, "desprezo dando ao evoluído lombo de porco em vinha de alhos". Puri, na companha d'um bô púcaro d'smalte tchêo de pinga, dasquéis azuis ou brumêlhos que já nim na feira dos bint'nobe se bendim e que ficum mêos smoucados se cairim ó tchão. Ua pinga que d'ás bezes anda à bulha co'as goelas, "adstringente a dizem", tirada dasquéis pipos que dromim no tchão ó lado da loije. Se calha, bem m'ou finto que num mim'augue, mim pirongo se m'assaiu o home, inda m'amarro ó pé do tchupão pra rilhar uas costelazinhas, imbuligo os dedos de guerdura pra depeis os limpar ó rodilho. Carai!, num se m'acalmum us pur dentros co'as bistas dus tchouriços imbarrados no fumeiro. Bô, inda m'astrebo a subir a um motcho co'a peliqueira e racoso ua alheira e ua linguiça... Que bos-jiu digo ou, stou-le c'ua sapeira ó caralhitchas dos lambiscos, pr'áli a mangarim das nhas bistinhas, q'inda l'infio ua lostra nas bentas qui us pintcho da bara sim les cortar o fio. Ma num sei se m'astrebo a cear, stou co'a pança mêa intchada das casulas e do butelo, e inda se m'assaim uas cousas dus pur dentros, d'home que stá mêo infastiado. Cmu quera, um copetcho d'augardente amanse a bulha... Bou puri á'cmudar a tenda, lebo-l'a bianda ós recos, um cibo de farelos às pitas e ós parrecos e um tantinho de nabal afermentado à ruça, a burrica que toquei há um cibo da lameira ó pé da corriça do Ti Tonho Mouco. Cmu quim num trabuca num manduca, já o dezia o mou abó, bou-me desabagar o lar e botar o natcho ó ar da neite, já se le sente o tcheiro do carambelo, miúda giada há-de star prós que madrugum. Bá, bou-me pur a samarra, im antes q'o lombo fique mêo ingaranhado, e já bânho pra scruber mais uas tchalotices... Bô, ele há cousas do catano, inda trás d'onte a Tchica do Ti Zé dos Poulos staba mêa imbutchinada pur u causa dos lapouços que se l'abancarum no scano a racoser-l'o presunto e ós queijos. Ou bem no dixo q'era milhor irmos a drumir, q'era hora, mas a companha quijo mais ua pinga... Depeis foi lubar c'o Ti Zé a ingaliar-se co'a a Tchica, ua lostra prá cá, ua tapona pra lá, apareciam-se cum deis cutchos danados, quase se m'abria a cabeça ó berde c'um testo que buou pró pé do scano. Lá acalmemos a bulha, que se debem ter intendido ó depeis nas palhas, q'um home e ua mulher lá têim as suas desabenças, mas deis pares de pés sim miótes lá s'amanhum ó quente... Digo ou... Mas num me bim imbora sim scurritchar o copo, q'a pinga do Ti Zé sbara bem pur as goelas... Mas botaba ou faladura pur u causa da Tchica... Lubaba ou a bianda ós recos e quase q'intropeçaba nos tchanatos da mulher. Ficou mêa spritada assim que me biu. Inda pensei que nim as buas neites me desse, mas o catano da mulher, q'é dada a uns bruxedos mêos descontchabados cá pró mou modo de ber as cousas, inda m'arreganhou os dentes de tão contcha pur me ber. Peis num é q'o diatcho da saieira quer que bá lá ciar na Sêsta? E fria-se no crutcho! Q'ou sou mim guitcho e zeconfiado! Bem m'ou finto que num me bote pra lá uns pruparados no caldeiro, puri uns ruquelhos dos benenosos, ou injaldre uns cibos de pós dasquéis que botum as gâmbias d'um home na companha de cajatas! Staba munto daimosa prós mous gostos, q'a mim num m'ingana! Já ua bêze um home me cuntou q'andou deis meses d'sfoura, queitadinho, à conta d'ua galdéria c'má Tchica. Ou bem no sei quim num bota outra bêze o sim-senhor no scano do Ti Zé dos Poulos!... E num é pur as nhas nalguinhas, que bus-jiu digo ou! Q'essas preferem dar um tchi-curação pur u causa d'uas carabunhas do que serim racusidas q'ua sfoura d'andar sempre a strumar o monte... Co estas cousas, já se m'apagou o lume, tânho q'ir pur um capão, q'inda fai uas brasecas, se l'afolar um cibo. Depeis inda me bou astreber a um copetcho, c'um carólo, um tantinho d'isco, e uas alcaparras q'inda tânho pr'áli amanhadas. Só pra num ir im augado prá deita... "Por vezes, orgulhos da alma, deixo-me encantar por este apreço no recurso uma ancestralidade moribunda. Posso não lhe tolher o destino, mas deixo-lhe registadas as causas. Tudo não passa de" sfouras d'algua proa...                         

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Folaradas - Injecções de distinto sentir


Ocasionalmente, uma sã insanidade apodera-se de ignóbil gente que, paradoxos de inventadas vanguardas, ao invés de apreciar o bulício de corredores atulhados de espécimes a paspalhar, pavlovianos reflexos atiçados por esfaimado monstro da criação do supérfluo, dedicação tem a artesanais formas de incremento dar ao assoberbamento residente nesta peculiar forma de ter orgulho em ter sido parido num mundo de pedras e calhaus. O Folar Transmontano parece ser um dos veículos da soberba... Porque não é um pecado mortal, nem moral o é, que moralidade é extasiar os sentidos com as riquezas que a criação nos facultou, e a gula, de pecaminosa, só quando satisfeita não é. Desvarios de um pretenso sandeu, fanáticos da modernidade o epitetarão, deliciosamente consumido até à medula por este incomensurável orgulho de fazer parte da prole da ignóbil gente. Porque a tradição já (só) não é o que era para os que idolatram o facilitismo de uma deslocação à pastelaria mais próxima em busca do produto acabado... "Inda há uns tchabascos que s'astrebim a indrominar uns folares e uas bolas à moda dos abós. Puri"... Haja vontade, ajuda, "tchitcha e óbos dos de berdade". E haja "quim os dêa, ou pitas poedeiras"... "Scatcha-se" o presunto, "amanhum-s'uns cibos" de salpicão e linguiça, "bota-se um tantinho de tchitcha gorda". Segue-se em alegre romaria para uma Lamas de encanto, torpor tamanho em genética espera, impagáveis sorrisos de compadres, afilhada também, abraço da alma de adoptiva irmã, a genialidade humilde de um calor único, impoluta chama que o espírito aquece. Nem o tormento meteorológico aplaca a ânsia do reencontro com a ancestralidade, retornos a uma velha infância em que o dia dos folares era oficial feriado do lar. Tempos outros, idos tempos, jamais esquecidos, sempre lembrados. Era a procissão "folaresca" aos fornos dos vizinhos, o dos Mascarenhas, saudosa D. Marquinhas, sempre sorridente, sempre diligente. Ou o da D. Deolinda, manhãs outras, em frente seguia o cortejo. Fina o passado, ressuscite-se o presente. Que a moda é a mesma, ingredientes o dizem, a vontade também, mudam apenas os actores e o cenário da peça, restituições de um pretérito nunca distante. Afinal, os aromas persistem em idêntico assombro dos sentidos, alternância às formas apenas, num repetido ocaso do ontem, deslumbramento do hoje que sobe. Amanhã será dia de repetições muitas, elenco outro, produções tais de substitutos realizadores de películas de intermináveis episódios da gente. É o Dia dos Folares, episódio infinito, oito prostrado, pessoais cunhos de intépretes que um dia passaram pela escola de dramática representação e noutro, "cousas" da inevitabilidade, cresceram. Profanação de um templo de costumes finados, moribundos talvez, sacrilégio dirão os adoradores de eléctricos artefactos. Ou uma inexpugnável resistência à herança de pais, avós e demais ancestrais, zelo da nostalgia, homenagens a oclusas vozes em registos da memória, articulados sons que um dia transmitiram o legado, vícios da alma, os direi, ou hedonismo dos sentidos. "Amassadeira" limpa, "amassadeira" pronta, alvo pó depositado em espera, há-de chegar a amornada preparação de amarela cor, casamento previamente combinado pela sapiência da tradição. Siga a boda que gente espera por tostado epílogo. Fecundações em forma de pasta em simbiose de branco com amarelo, envolvência paciente, braços que giram ao sabor de uma receita escrita nas paredes da memória. Lentamente, sem pressas, que longas são as festividades, vai-se sentindo o cheiro a inconfundíveis aromas, anestesiam-se nasais receptores, folga a mente de económicas convulsões, alivia-se a apreensão do futuro de um país adiado... Subitamente a estridente algazarra de umas mãos que à escola da vida foram resgatar inumanas forças para vergastar a disforme pasta que na "amassadeira" repousa. Surpreende a intensidade da flagelação, naquele incessante "chlap-chlap" que amansa a adormecida fera antes do despertar das leveduras. É o fascínio no feminino, como só um feminino ser é dotado para violentar a dureza tornando-a macia. Talvez a massa pressinta esse carinho em dóceis mãos que a chicoteiam num constante vaivém, numa paradoxal vexação que a amaciará a ternura. Impressiona a destreza, arregala-se o olhar para as formas previamente untadas, agora recheadas a pasta amarela, suavize-se o mortal pecado que o destino próximo está. E a "tchitcha", pedaços de antigo saber arrancados a porcinos seres, domados a fumo e sal como só uma transmontana cozinha pode adestrar. Apetece surripiar um pouco, mas inutiliza-se a pretensão com um "carólo de bola-subada com um cibeco de queijo curado", duro como extremidades bovídeas, saboroso como um divino manjar... Faz-se a cama aos folares, "mim amanhadinha", velhos cobertores de lã a servirem de abrigo, formas alinhadas e acomodadas ao sabor de antigos ensinamentos. Agora é esperar que "lebedem os bitchos"... "Abonda daí uas gestas pr'ácender o forno, se faxabôre!"... É hora de impregnar a atmosfera a distinto aroma de lenha resgatada ao monte. Força alucinogénica que asas faculta para viagens a remotos tempos, recorda-se a imponente figura da matriarca, a "Bó Maria", intensas viagens a outrora, motriz força para um sorriso mais. A curiosidade detendo se vai na evolução das chamas que fustigam o revestimento do forno, efémero regresso à mesa onde o garrafão repousa, um "copetcho" de permeio, retemperem-se forças para mais "ua gabela". Fomenta-se a combustão alimento dando à amostra de inferno, numa quase interminável espera pela chegada ao degrau da temperatura perfeita. Condimenta-se o tempo a histórias antigas, fecham-se as portas da amargura temperando o crepitar da lenha a reconfortantes piadas, "bô, dá-l'a risa àquela", "bota cá mais ua pinga atão", "num le qués tchiscar a mais um cibo de queijo?"... Discute-se a catástrofe do país, "homes" para um lado, "mulhés" para o outro, cruzam-se conversas em amálgamas de inentendíves vocábulos, por vezes, ambiente entrecortado por uma risada mais, calorosas formas de celebrar uniões de anos, cumplicidades paridas pela afinidade genética e pelo cimento da amizade. É a emoção ao rubro enquanto ruborizam as paredes do forno. Hão-de alvas ficar, diz a prioresa do forno. Destapam-se os acamados, "ulha que mim marelinhos stão!", acomoda-se o forno com o "ranhadouro", resgata-se a pá do seu esquecido canto e início se dá à invasão do côncavo cubículo que albergará enformados prazeres. Fita-se o incrível esboço que os círculos vão desenhando à medida que o infernal espaço é preenchido. Paradisíacas visões que excitam salivares glândulas... Seguem-se as bolas de azeite, "subadas" as dizem também, atulha-se o disponível espaço, fecha-se a porta a investidas outras. E espera-se, novamente se espera, num tamanho aguardar intercalado por mais uma pitada de sorrisos, conversa para aqui, discurso para lá, desconexa comunicação ali, ou silênio apenas. Anda rápido o tempo ou detém-se em oco momento, negligência aos ponteiros em emoções de familiar paródia, é assim o tempo na aldeia, num desfilar de apeadeiros e estações temporais que parecem ignorar o passar das horas. Como se um constante entretenimento da alma obstruísse a pressão da incontornabilidade dos dias. Destapa-se a boca do forno, pasmados olhares de surpresa, é chegada a hora do preenchimento da ânsia, finalizada está a cozedura. É a sublimação dos sentidos, rompem-se os laços que tempo deram ao tempo, numa luta por um estranho equilíbrio de tostado manjar em pá de forno sem mãos. Em breves instantes hordas aromáticas invadem o espaço, redondas formas exalam perfume a terra, a saber, a tradição, a memória, a emoção. Repetidos olhares atónitos, como se a visão fosse desvirginada por uma qualquer momentânea raridade. Mas não... É tão só um desmascarar de idas recordações, regressões ao futuro, inviolabilidades de recuadas épocas. "Incerta um dos que num têim thictcha a ber se stão bôs!"... Tudo se assemelha a um desmaio do tempo, num bloqueio da realidade, suga-se o tutano de amarelo petisco, como se primeva vez fosse. Surreal contágio... É a gula no auge, amparo na consciência, num frenesim repetido a cada ano e sempre renovado. São os tontos, gente que renegar não faz às origens, perseverança do querer, reminiscências de indígena fundo, louvores a memórias gravadas, renovar de laços, "tchalotice" talvez. É o degustar da tradição, num pétreo deglutir do sabor aos montes que nome deram a uma terra de encantos muitos.
São os folares, os nossos folares, alheamento de torres decoradas a asfalto e betão, fugas a corrupções muitas, cegueira dos tempos. É o orgulho sentido, este xistífero orgulho, nascido algures a nordeste, onde o sangue foi moldado a "tchítcharos" e "erbanços", a "butelo" e "butcheiras", a "pitas" e "parrecos", a "cotchino" e... A "uas carbalhadas, de bêze im quando, tamém"... "Bô era!"...

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Porque amanhã é dia de folares...

E porque hoje é dia de tolerância de ponto, ou de um ponto na tolerância... De interrogação, quem sabe? Sinto os neurónios anormalmente excitados, num prenúncio de gula, em mordaz afronta à abstinência. Vilipêndio da realidade... Afinal, já absorvo aromas cuja existência se resume a um próximo futuro. A ânsia do amanhã, ou do mais logo, assemelha-se a algo virulento. Cheira, apenas, a chuva litoral, e os nasais receptores já percepcionam aromas a terra, a pedras, a montes, a gente, a encantado mundo para lá da barreira de condensação. É a agradável angústia que se instala de mansinho nas penitentes horas que antecedem um zarpar à parideira terra. É "mai loguinho, ó princípio da neitinha", hora de geral debandada em busca das raízes, do "tcheiro a guiços", da atmosfera que inebria o espírito e lhe recobra os sentidos. São os rios que esperam, as penedias e profundas gargantas, é a inépcia que nos assola a cada instante de magia, como se o terceiro calhau a contar do sol se detivesse, de repente, numa oclusão da realidade exterior, inventando um novo Big-Bang que atordoa os sentidos. É a serra que aguarda, calma, ao fundo, dorso de fera domada pelo tempo, guardiã do povo, histórias muitas para contar, num assobio da brisa, eterno gemido da folhagem que lhe serve de abrigo. São os caminhos que as entranhas lhe rasgam, ancestrais chamamentos que impelem a um embrenhar pelos carreiros que pacificam a alma. É o esquisso de um tempo que pára, em esboços de desenho nunca acabado, paradoxos de aparente imutabilidade sempre renovada. E depois, serpenteado o IP4, Macedo está lá, ao descer da Corvaceira, recepção dos filhos em silencioso abraço, fraterno, plenitude de humano calor, mesmo que a frieza pareça pairar qual assembleia de fantasmagóricas cores. Mas Macedo está lá, à espera... E os filhos estão cá, à espera também... Distintas esperas, é certo, mas esperas são, factual indesmentibilidade. Já se tombou metade da tarde e a torrente de saliva já sensibiliza os estomacais ácidos para a ceia que há-de vir. O troar interior, estranhos roncos da fome, não de fome qualquer, mas de um atroz desejo de saciedade dos sentidos pelos incomparáveis temperos a terra. Expliquem lá os deuses esta clasura no arrepio que há-de vir. Porque de humana gestação ser, resigno-me a esta incapacidade de lavrar num monitor o que apenas se sente... Deficiências do arado, seguramente... E amanhã, azáfama dos dias, haverá farinha, fermento, ovos, azeite, e "muntos cibos de tchitcha pró recheio". As "amassadeiras" encher-se-ão daquela pasta amarela chicoteada por sapientes mãos, num arremesso ritmado, "chlap, chlap, chlap", enquanto se esquenta o forno que metamorfoseará a informe mistura em tostados tesouros enformados. Beber-se-á mais um copo, esperas de palavras trocadas no descanso da "folarada a lebedar". Encher-se-á o ambiente com a névoa que deixa o inconfundível aroma a fumo na roupagem. Renovar-se-á a atmosfera de janela aberta com baforadas de ar puro. E, finalmente, rasgados sorrisos ao mundo pela primeira fornada, "ó que mim bô stá"! Quentinho, acabado de sair do cubículo de aquecidas pedras... Só porque amanhã é dia de folares...