Bem Vindo às Cousas

Puri, se tchigou às COUSAS, beio pur'um magosto ou um bilhó, pur'um azedo ou um butelo, ou pur um cibinho d'izco d'adobo. Se calha, tamém hai puri irbanços, tchítcharos, repolgas, um carólo e ua pinga. As COUSAS num le dão c'o colheroto nim c'ua cajata nim cu'as'tanazes. Num alomba ua lostra nim um biqueiro nas gâmbias. Sêmos um tantinho 'stoubados, dàs bezes 'spritados, tchotchos e lapouços. S'aqui bem num fica sim nos arraiolos ou o meringalho. Nim apanha almorródias nim galiqueira. « - Anda'di, Amigo! Trai ua nabalha, assenta-te no motcho e incerta ó pão. Falemus e bubemus um copo até canearmos e nus pintcharmus pró lado! Nas COUSAS num se fica cum larota, nim sede nim couratcho d'ideias» SEJA BEM-VINDO AO MUNDO DAS COUSAS. COUSAS MACEDENSES E TRASMONTANAS, RECORDAÇÕES, UM PEDAÇO DE UM REINO MARAVILHOSO E UMA AMÁLGAMA DE IDEIAS. CONTAMOS COM AS SUAS :







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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Encantamentos... Feira da Caça e outras coisas...


Interregnos, buscas de uma interioridade nem sempre lembrada, a festa exaltada na passagem dos dias, algures, num algures de encantamentos tantos, nem sempre bebidos com a mesma intensidade com que se degusta uma qualquer ginjinha no pavilhão de entrada, ou nos que se lhe seguem. Ruminam-se os dias, incessantes buscas da alma das pedras, bem no âmago de um qualquer dentro nunca auscultado, trocas de conversas de circunstância, aqui e ali uma paragem mais, lábios ressequidos pela espera da excelência que sabemos existir. Mora na crença profunda do xisto, ou da originalidade que dela resta...
Depois, são as tentativas de exaltação da essência, produto nem sempre vendável, ou os vendilhões de um qualquer inexpugnável templo em incessantes assaltos ao inatacável. Um salpicão há-de sempre ser um salpicão ou, verborreias tantas, um "tchouriço" só é um "tchouriço" nas agrestes terras dos... "tchouriços". O resto são imitações, caras por vezes, travestidas a industriais invólucros desprovidos do suave aroma a terra. Viva a heterogeneidade, ou o que sobra "d'intchidos" povoados a compostos gaseificados que epitetam a originalidade a arrogância da essência. A essência não se adorna a epítetos... É adornada pela própria natureza de que se reveste, desentendida ao sabor das vagas da conveniência, aspirada em incessantes inspirações do não inspirável. Está cá, não há osmose que lhe valha... O fiolho nunca há-de ser funcho pelas "terras de trás do sol posto"...
Mas há-de ser chá de hepáticas inconveniências, ou de estomacais desarranjos, junte-se-lhe um "cibo" de cidreira, ou "uas folhecas de sálbia, qu'é mim boa pr'ázia". Seguidamente, é só tomar, em breves tragos de aromáticos perfis a pedaços de raízes. Mais uma ginjinha e amansa a densidade...
Recruta-se uma qualquer de rapina, sonha-se com alados voos de inalcançáveis horizontes. Olha-se, olhos nos olhos, penetrante olhar impenetrável, desvios contrários de opostas direcções. Prossegue-se, depois, rumo ao interior, apreços tantos pelo êxito da diferença, sorrisos em riste, e jogos inversos também. Revivem-se, antecipadamente, os Caretos, acariciam-se mucosas com hidromel, olha-se com esperança para um qualquer futuro desenhado a painéis, antes de prosseguir por ambientes decorados a festa, internamento em atmosfera embriagada a sabores de fumeiro, queijos, pão, bolos, e demais exemplares que não deixam adormecer o pecado. E bebe-se mais uma ginjinha, "rais'partam" as ginjinhas, sempre a desafiar os incautos para mais uma rodada de amigos, ou pretensos, ou ocasiões para saldar dívidas antigas a bandeira branca. Mais não seja, abafa-se o som do troar dos canhões, pacíficas meditações pintadas a inusitados chapéus e a canos amaciados a brilho de silêncio. 
E conhecem-se mais pedras paridas em pétreo reino, trocam-se galhardetes de apreço pela terra, partilham-se histórias ao som de um sempre inspirador toque de gaitas-de-foles, um petisco mais, «prefere alheira de caça ou normal?», venham de lá umas linguiças bem temperadas, ou o complemento de uma inigualável posta à mirandesa, condimentada a "Valle Pradinhos" ou "Quinta do Lombo", néctares da terra, ou saia o vinho da casa em jarro. De sobremesa? Sorrisos... Apenas sorrisos...


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Dias de Festa


Repete-se o fenómeno, ano após ano. Avivam-se memórias em desconcertados Domingos temperados a bafo do estio, Agosto no seu auge, vielas inundadas a "voitures", valorosa gente da labuta além-fronteiras que regressa ao cantinho da infância. Por instantes, perde-se o sentido de Nordeste quando um «- Atão, stás bô?» é substituído pela simplicidade de um «- Ça va?». Mas a genuinidade não é renegada, "coffres", "poubelles" ou "vitesses" em sentido quando se solta um sorriso na companhia de um inenarrável «- Ah car.... ma rafo..!», "carbalho ma racosa" em eufemística versão, que este equivalência não tem para lá das fronteiras do rectângulo. Juntem-se-lhe uns "intremóços" e "ua pinga" e "desentorna-se" o caldo da essência. É só aliviar o momentâneo entorpecimento da alma com um "ricardo" ou um "martine c'ua mine", solta-se a voracidade de momentos idos, relembram-se aventuras tidas e nunca tidas e «- Anda di buber um copo!»... Já não há alvoradas marcadas a ritmo de silvos de "barelas", mas persiste a banda nos seus acordes de eterno marco de raízes. Largos engalanados a bandeiras e bandeirolas, coloridas a modernidade, já lá vai o tempo de artesanais irmandades decoradas ao sabor de triângulos e demais geométricas figuras, apresta-se a gente para a solenidade anunciada pelas badaladas. Alguém "imbarrado" na torre sineira, pernas "scarnantchadas", alterna a sinalética do ritual ora massacrando o sino da direita, ora alvejando o da esquerda. Os menos afoitos a religiosidades, escapolem-se para o tasco mais próximo, sacralizaçóes cervejeiras, alcoólicos compostos outros por vezes, ou lavagem à adega com "auga" gaseificada dos lados de Sampaio. Duas de treta, "bota-se" um olhar de soslaio à aperaltada com excessivo decote, olhos esbugalhados pela infâmia de largos centímetros de perna "ó léu", trocam-se mais umas desconversas de ocasião e, ressequidas gargantas de matinais conversas - e de nocturnas lembranças - "bota" lá mais um encosto labial a "ua mine". Vai soando a homilia, elevações da alma, apresta-se a gente para homenagem prestar à padroeira, anormal ajuntamento defronte do adro. Distribuem-se mais uns "bacalhaus", um "tchi" acolá, sorrisos e um burburinho de encontros de gente da terra. Segue o cortejo processional pelas ruelas da ancestralidade, devoção de muitos, olha-se o abandono com irreprimíveis dores de nostalgia enquanto a banda vai devorando pautas e os passos vão percorrendo, vagarosamente, o que foram trilhos desenhados a pó. Ainda restam alguns exemplares de encavalitamento de xisto, testemunhos de outrora, imóveis seres que a inexorável modernidade ainda não digeriu. Percurso de recordações de um imberbe mundo, expelem-se memórias com acompanhante descendência, saúda-se os que por perto partilhando vão a breve peregrinação. Estará o repasto pronto, tempos outros em que melhorado era, vão felizes os tempos de diferenças poucas para o quotidiano dos dias. Já não se fica para a arrematação das flores, vai clamando o "bandulho" por atenções, redundâncias da espécie, esperam os assados por salivares excitações. Crescem as mesas mais de palmo e meio, acomoda-se a gente ao redor, parecem as salas diminuir com a afluência. Vão alternando os sorrisos com olhares embrenhados na tristeza proporcionada pela saudade, os que não estão e poderiam estar, os que já estiveram e deixaram o legado de uma gravação na retina, e o coração a palpitar pela memória de sublimes tempos. Principia o repasto, desembucham as almas enquanto os espíritos se soltam, as línguas também, cruzam-se conversas e alimentam-se, em simultâneo, os estômagos e os canais auditivos. Há sempre uma história nunca contada ou, se contada já foi, de ponto um acrescento, a novidade se assemelha. Vociferem os descrentes, mas aqui a carne sabe a "tchitcha", o feijão verde tem o sabor de "casulas" e a alface tem o encanto de "selada". Junte-se-lhes o "pupino" e "ua talhada" de melão, por cima o de tostão, desliza o encantamento e fica um "home cm'um tchintcho". Depois, os caminhos não vão dar a Roma. Tropelias do hedonismo, "pança tchêa", os carreiros de gente afluem ao digestivo e à retoma de cafeínicas poções. Renovam-se saudações, conversas de ocasião, "bota mais ua q'agora pago ou". A efémera felicidade ou o êxtase de frustrações encarceradas por um dia. Paira no ar uma certa libertinagem, como se um qualquer comando tivesse ateado um fogo que não arde. Berram os putos em loucas correrias, rosadas faces de adulto em algazarra, parece o tempo fluir em desenfreados paradoxos de ida ao futuro com retorno ao pretérito sem percepção do presente. "Que sa racosa a crise, ou lá o que carbalhitchas dixo aquela que s'aparece c'um home e que dize uas bajoujices quaisquera n'ua língua que num se percebe nadinha!"... Energias repostas, galgue-se a distância que separa o campo da bola, tractores a postos para inusitadas corridas, banho de pó à espera. Há-de chegar o sorteio da vitela, dependência de vontades da dita de o campo estrumar.
Um "finito" para aliviar a acumulação de poeira, sente-se um estranho apelo para "mastruquir", alianças entre a fome e a vontade de comer, regressa-se "ó pobo" onde, artesanais desvios, já soa a preparativos de arraial. Geram-se acumulações lipídicas e demais compostos contraproducentes, recuperar-se-á amanhã dos abusos, que em dia de festa não há quem morra de hipoglicemia. Estreitam-se os laços, selados a etílicas partilhas por vezes, enquanto vão afinando os acordes da banda. O "conjunto" há-de tocar a seguir, ecoarão sonoridades de popular âmbito, aglomerar-se-á a gente defronte do palco, passo para aqui, outro para acolá, siga o bailarico até que as pernas doam. Amanhã é já ali ao lado e será outro dia... Normal...            

sábado, 24 de dezembro de 2011

Boas Festas Macedenses


A suave angústia que precede a Consoada ganha contornos de Inverno adornado a estio quando as raízes se transfiguram em ramos e as folhas se fundem com o fruto, planta de vegetal reino saída, telúrica forma de arrepiar ficções de centrífugas viagens onde a densidade se fragiliza pela intervenção da fresca brisa com que o Adamastor de Bornes presenteia a chegada do Menino. Está quase, folga a tristeza, brinda o "tchupão" com a entrada do melhor "strafogueiro", "afola-se pra que pegue", choram os "butelos" por casamenteiros dias de casulas muitas. O resto da família está prestes a entrar neste mundo de renovados "ô, ô, ô!", anos de vénia à tradição, sorrisos distribuídos ao sabor da correnteza de dias que tomam o sabor da eternidade, num "déjà-vu" de sentidos abraços ou repenicados beijos, emoções tomadas de assalto por um qualquer arrepio a que chamam saudade, debita ao longe o "I wish you a Merry Christmas" do Tio Sam, ou expira a portugalidade - estranho conceito misturado a diáspora de trio de "éfes" - um bafo de "A todos um bom Natá...á...á...á...al". Entretanto, fustigam-se os indutores de triglicéridos e colesterol a inferno, excitam-se salivares glândulas com filhós regadas a pecado ou polvilhadas a elos de penitência, sonhos de irresistível volúpia, indomável aroma proporcionado por rabanadas. Ao longe espreita a aletria ou o arroz-doce, ou outro qualquer coisa doce que chamamento há-de ser para infusões de cidreira ou limonete... O nível de corrosão estomacal atinge insustentáveis picos, depenica-se aqui, surripia-se acolá, não sem ecoarem os protestos de sábias mãos da eternidade. Entretanto, fiel amigo chamado, alivia-se o torpor das brasas, simulações de espaciais naves sustentadas a tripé, "põe-l'o testo pra que ferba", tragam os "trontchos de coube" e os "rábinos", coloca o aurífero líquido na mesa, que as maçãs da terra direito têm ao aconchego. Há-de o repasto ser regado a "tantinha pinga", intercalada a rega com aspersões de histórias muitas, danem-se os controlos analíticos que hoje é Dia de Consoada... BOAS FESTAS!!!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ventos de mudança



O irrevogável apelo das pedras, de sempre sentido, retorno a materno ventre, afago do âmnio, como se necessitasse a alma  de permanente polimento. Talvez incremente o brilho ou seja a luz ocultada por escuro túnel, saberão os deuses descarnar o porvir... Rasguem-se folhas de anciã sapiência, já o afirmam os antigos, quem muda Deus ajuda... É um analgésico dos desconfortos da fadiga, cataplasma que aplaca as dores da distância, é o futuro já ali ao lado, ao virar de arredondadas esquinas do Marão. Trás-os-Montes entranha-se, paradoxos de ópio injectado sem prévia massagem, sente-se apenas a picada da essência, e gosta-se, gosta-se, gosta-se e gosta-se. Depois, bem... Depois fica a léxica destreza amputada, insondáveis dicionários que abarquem tamanho acervo de cousas sentidas. Este sentir não se decifra, sinonímia ausente, volatilização dos signos, ou, proezas tamanhas, talvez seja o inacabado retrato de universal linguajar, simultaneamente entendível e indecifrável. É uma doença sem desagradáveis sintomas para lá da saudade, terapêutica esboçada a divinização das pedras, a veneração do xisto, a endeusamento da terra. Trás-os-Montes é um santuário de altares muitos, fusões de céu e serra, fado entoado a estranhos acordes de parelhas da memória, algazarras do silêncio, paz soçobrada pelo encantamento dos sentidos. É o êxtase, se tal existe, peles vincadas a agrestia, faces enrugadas pelo estio, despudor do tempo, marcas de arados de gelo e neve, e o paraíso, meu Deus, o paraíso! Escondido atrás de montes, ocultado por detrás de giestal do esquecimento, arredado da ribalta das luzes, quase omisso de turísticos roteiros. Para alguns é o chamamento de pétro útero, sonata ao luar, composição de inaudíveis sons que adoçam os tímpanos, peças de um teatro dos sonhos. Há certos vícios que não se explicam, gritam-se, espalham-se através da brisa das coisas simples, navegações sem alísios ventos ao sabor das marés do orgulho. Não sei o que sentiria se fosse súbdito de outro Reino que não o Maravilhoso. Mas sei o que sinto por ser filho das pedras, enteado do Azibo, bastardo de Bornes. É a intransmissível genética do xisto, carregada numa qualquer translocação que constrangeu a orquestra a tocar uma afinada sinfonia de ventos de mudança. A menina dança?...        

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Fugas no Reino das Pedras

Os dias embrulhado pelo afago das pedras são assim. Calmos, extirpada a canícula de final de Maio assemelhada à de Augusto mês. Sedentos, de inenarráveis amizades seladas a amenas cavaqueiras sob a protecção de um publicitário guarda-sol. Extenuantes, por indescritíveis incursões às profundezas deste mar pétreo, aparentemente esquecido pelo carácter protector da divindade... Será o olvido premeditada forma de preservar a essência, nada mais que a essência? Hoje senti-lhe o âmago... "Por mares nunca dantes navegados"... Há gente assim, que a troco de nada, insondáveis (ir)realidades da modernidade, nos presenteia com o calor de um singelo sorriso pela partilha do muito que sabe acerca das entranhas deste oceano de calhaus que me viu nascer. Talvez hoje a palavra deslumbramento seja ínfima para traduzir o encantamento dos sentidos pelo saborear da verdadeira natureza em estado virgem. Mas não só... Há disponibilidades que não se pagam, preços que existência não têm, moram apenas num estranho recanto onde vive gente que já não acreditamos existir. Mas existe... Hoje confrontei-me com essa clara evidência. Mas públicos encómios não são o meu timbre e saberão os destinatários dissecar a gratidão... Adiante, que o todo-o-terreno vociferando vai, esfaimado que está por deglutir as artérias trajadas a pó e pedra, ornadas a herbáceas testemunhas de ancestral calcorrear. Esventram-se os aromas, reduzindo-os à paixão de, paulatinos inícios, barrarem qualquer incómodo causado por desenfreados insectos arrancados à sua paz. Cheira a terra, a terra-mãe, inconfundível e inimitável perfil aromático. Repentinamente, uma espécie de orgia dos sentidos. É a raposa que, sorrateira mas curiosa, observa os invasores. São as aves de rapina que nos sobrevoam, num aéreo bailado que sabe a eternidade. É o espanto de uma cegonha que nos observa do seu altaneiro ninho. São os sons a nada, numa orquestra de silêncio quebrada a intenso chilrear de quem rasga céus e pousa, espantado, nas arbustivas formas que pintam as encostas a cores de encanto. Ou um zumbido aqui, outro acolá. E o canto da brisa a acariciar o escalpe, ou a melodia do ribeiro que corre indiferente ao cágado que nas suas águas repousa. Isto não se explica, não se mostra, não se escreve sequer. Sente-se, apenas. Sente-se quando nos damos permissão a fundirmo-nos com a terra, numa improvável fusão em que as pedras são participantes e do elenco fazem parte as silvas, os cactos, as giestas, as estevas e sei lá que mais espécies que tentam vedar-nos o passo. Sente-se quando nos embrenhamos no desconhecido, sabendo de antemão que ali está o útero onde repousámos, o ventre que há-de aconchegar-nos se perdermos o norte, a mãe-terra, a protectora, a suave ondulação que nos embala. Hoje sentei-me no regaço da mãe...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cousas de xisto

POR FAVOR, PREVIAMENTE AO VISIONAMENTO, RETIRE O SOM À "COUSAS RÁDIO"...


Há mundos que se entranham na alma...


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Anormalidades meteorológicas

Os impropérios do tempo, não os do malfadado que corre sem sequer dar permissão a uma breve cavalgadura ao ponteiro dos segundos, derreado pelo peso da vontade de uma fugaz atrocidade de regressão temporal, ou paragem apenas, leve, suave, candidamente decorada a infâmia de troca das voltas do que estabelecido está. Não esse tempo... O outro, meteorologicamente louvado em boletins de gente que sacia a avidez de controlarmos o que, climaticamente, incontrolável é. Simplesmente, chove... Olha-se a abóbada, desesperadamente olha-se a abóbada, a celeste, perscrutando o infinito, salvaguardando a irreprimível vontade de descortinar uma estrela, uma estrela apenas, uma que seja, lá longe, perdida no horizonte do desejo. Não há estrelas, visíveis que sejam, tão só esta cadência de gotículas que fustigam o ar, amena temperatura de um Dezembro que se queria pingado a gelo, neve que fosse, alva, pura, temperada a Natal, a Inverno seja, mas fria, deliciosamente fria, atormentadoramente fria, gelada até. Mas não! Chove, apenas chove. Desesperadamente, chove, sem frio, sem termómetros flagelados pela geada, sem aragem que enrijeça a alma. Anseia-se pelo choque térmico que cura as carnes, vergastadas por um gélido vento que desperte o mais morfinizado dos neurónios, e nada. Nada de nada! Resume-se o exterior à insanidade húmida, temperada, desprovida de aromas a Inverno, privada da agrestia que empurra umas luvas ou um cachecol que afaguem a epiderme. Ergue-se o olhar e assiste-se à impavidez da Lua, cheia parece, assemelhando-se a um desolado par que aguarda pelo convite de desenfreadas nuvens que dançam ao som de uma orquestra de silêncio quebrado pela percussão de gotas que, aleatoriamente, se estatelam de encontro à desolação de um chão molhado. É a prosápia do tempo, incólume, insondável, imbeliscável... É a altivez de uma incontrolável e inatingível forma de rasgar o canto do gelo. É o "catantcho do tempo que se m'aparece q'stá a mangar co Imberno. Ou só q'ria um cibeco de frio"...

sábado, 30 de outubro de 2010

Taciturnidade dos dias

Por vezes sentimo-nos na contingência de abafar a vontade, uma quase indómita vontade de largar amarras e desatar em navegações por megalíticos oceanos. Mas remetemo-nos à clausura, enquanto aspiramos a zanga dos deuses, privações do astro, rei o dizem, a celeste abóbada tingida a limbo de negro, escuridão do dia, numa cabal demonstração de incontidas naturalidades atmosféricas. "Tchobe que Deus a dá", ou numa mais pitoresca versão apreendida de pretéritos tempos estudantis, até os cães bebem água de pé. E por aqui anda a gente, singulares formas de adesão a um ascetismo forçado. Mas sabe bem, de igual forma. Trás-os-Montes também aprendeu a ser mar, transgressões por vezes, regressões outras, sequências tais que culminam em três de inferno. Estamos nos outros nove, de Inverno os pintam, desgarradas cores ou talvez não, que esta fruste terra é pintada a nunca inventadas tonalidades. Talvez por isso a ame, a adore para lá de compreensíveis entendimentos, desmedidas paixões por uma terra de incontáveis partos, não os consequentes de nove, mas os da surrealidade de um chão capaz de parir pedras recheadas a batatas ou castanhas. E a suor de gente... Talvez esta sonoridade me afecte, cadências muitas de bátegas, "chlap-chlap", "ping-ping", fustigadas vidraças que parecem chorar, ou frutos à espera de repetidas maturações, molhados, suados, quem sabe, ou humedecidos por vontade divina. Mas sabe bem, repito... Como bem sabe o alegre cantar de um qualquer conjunto de aves que parecem festejar a tormenta, abrigadas nos pinheiros fronteiros. Ou como bem soube o almoço, saberes do tempo, "adôbo" ou vinha de alhos, costelas em repouso de encantado tostar, aromas ao vento, cálidas estrofes de um poema de lenha a crepitar. Ou, simplesmente, desencontradas poesias escritas a lápis de xisto... Frutos secos à espera de uma quase incineração, ou talvez não, outros há que desdenham "d'ua gabela de guiços", basta um seco figo para os aconchegar. Variedades muitas, sucos da alma, filhos do vento e da chuva, do calor também, o suor como pai, as rugas por mães. É a terra, o espírito das pedras, místico, druidas e fadas num bailado só. É isto, é pouco, é muito, é um raio de sol que obscurece o negro, é a chuva que insiste em cair, duradoura paz de uma raíz da terra. Sou eu, és tu, você também, o senhor, a senhora e vossemecê, quem sabe? É isto, dizia, é Trás-os-Montes... Entende? Afirmativo? Então é filho de xisto e granito...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Soeimas e Gebelins

Algures, num qualquer estranho episódio, amizades, não provenientes de espécimes amigos de longa data, mas um daqueles que, sabe-se lá se por exibir um carácter incomensuravelmente acima da média, teve a capacidade de desafiar um restrito mundo... Algures, num qualquer ingénuo episódio, daqueles episódios marcados a ferros de ingenuidade pura, alienígenas purezas que se abstraem de preconceitos de inverosímil desigual distribuição de sapiência... Toponímicos desabafos de quem partilha platónicos conceitos, talvez... Supremacias da ignorância, ou um desaustinado ensaio sobre a lucidez, contraponto a homónimo da cegueira... Referência oportuna, só porque a moda decidiu não contrariar finados prémios suecos abastecedores de hipócrita alma lusitana... Ou desenfreadas formas de aquilatar a essência de arabismos nascidos de fonéticas desigualdades, dogmas brotados de santidades? Uma qualquer Jerusalém talvez, sede de patriarca Gibelinus, enquanto Pascoal II saboreava a cadeira de Pedro. Nada de confusões com os de Weiblingen, opositores de Guelfos, mundos de histórias outras... É mais fácil seguir machados, ou intelectuais gumes, sarracenas obstruções de lendas nascidas. Afinal, sempre houve encantadas mouras para entroncar em megalitismos... Como se os pétreos seres guardassem teares de ouro e outras auríferas histórias mais... Cousas misteriosamente guardadas entre dois montes, Jabalain talvez, derivações de Jabalon... Diz o José... Ou voltamos às hipóteses de javalis, timbre de nobre gente? Nãããããã!!! Prefiro a ignorância de séculos muitos, dúzia deles atrás, pelo menos, génese de apelido de progenitor de Mogli, indiano império britânico nascido, geminadas nomenclaturas luso-britânicas, onde arabismos chegados não foram. Fatalidades dos crentes... De influência árabe, a germana influência... De facilitismos de dois montes a antroponímias "daquele que dá"... Genitivo de homónimos de patriarcas, sei lá... Afinal, José Pedro dixit, e corrobora-se, porque sim... Mas há sempre uns Ernestos para contrariar, ou cabeças para pensar. Ou um ignorante "alguém" que vê para lá de arabismos e insondáveis mundos. Gebelim como "vestígio de lingoa arábica"? Não houvesse germanos mundos outros, e derivação de genitivo não seria... Proximidades de Soeima, etimológicos percursos para distanciar. Sulayman derivado, mas de moçárabe nascido. Soleima, dizem os entendidos, que entendido não sou. De entendimento era o Afonso, o primeiro, de lendas tantas elevado. Como a do Bispo Negro, Soleima atrás... Adaptações moçárabes, ou "Sisnandas" doações a um tal de Godins, beneplácito de conde Raimundo, Urraca anuíu... É história, basta ler história para lá do estipulado. E acreditar em Platão... "Tudo o que sei, devo-o à minha ignorância"... O resto são dois antropónimos vizinhos... Entre tantos outros...

sábado, 19 de junho de 2010

Conventos memoriais ou a morte das intermitências

O abrupto traumatismo luso-literário que me foi infligido nos velhos tempos do "Secundário", injustiças cometidas com "As viagens na minha terra" ou "Os Maias", arcaicos métodos compulsivos de incentivar a leitura, apenas teve o seu ocaso entrado que estava o finar do vigésimo século. Numa dessas revistas semanais pioneiras em agregar espécimes literários às suas edições, surgiu uma colecção de grandes autores. O simbólico do preço não colocou entraves de maior à dupla aquisição. Para mal dos meus pecados de então, o primeiro duo incluía... "Os Maias". Franzi o sobrolho, quase aderi à imediata desistência, tal o trauma. Contudo, aguardei pelo terceiro exemplar... "O memorial do convento"... Má sorte, amor ardente! Uma "coisa" escrita por um autor que se situava quase nos antípodas do que norteava o meu pensamento! Porém, como não sou xenófobo (não apenas no conceito de preconceitos raciais que, erradamente, se atribui à expressão), mandei a resistência intelectual às malvas e decidi dar-me permissão para me embrenhar nas aventuras e desventuras de Blimunda e Sete-Sóis, mais as históricas Mafra e a inovadora Passarola de Gusmão. O desacerto literário fascinou-me, o sarcasmo e a ironia geraram uma estranha cumplicidade com um rapazola habituado a situar-se na contra-corrente, não por contra ser, mas por concordar com a de Calcutá, que era sempre a favor de alguma coisa. Óbvio que a "pseudo-intelectualite" sempre colocou reservas e reticências (e outros ortográficos sinais mais) a uma lavra que contrastava com o nosso jeito de povo bem amanhadinho, cumpridor das mais elementares regras gramaticais, mas que depois vende o corpo e a alma a imposições ortográficas paridas além-atlântico... Prostituições intelectuais... A safra foi de tal forma proveitosa que, sôfrega e rapidamente deglutido o ficcional do reinado do "Freirático" (dizem-no "o Magnânimo", mas a sua magnânime apetência por noviças dixit...), deixei que as recordações traumáticas se esbatessem e, a medo, invadi o queirosiano universo dos amores e desamores de Carlos Eduardo e Maria Eduarda... E vi-me na contingência de rever todos os conceitos que tinha herdado dos meus verdes anos de estudante macedense. Fiz um tratamento anti-celulite luso-literária, recompus-me e tratei de elevar a ícones (não a ídolos, que a idolatria não faz parte dos meus dias) alguns autores portugueses que descobri e redescobri. Um deles, finado que está, terá agora direito a inumeráveis e incontáveis cerimónias de póstumo louvor. Provavelmente, com a irónica e sarcástica presença dos detractores... Aqueles que quase me convenceram, Nobel atribuído, que Uderzo e Goscinny estavam equivocados quando epitetavam os Gauleses de loucos... Loucos, loucos, são os Suecos... Bem vistas as coisas, ainda terá uma barragem com o seu nome, lá para o Alentejo, talvez, que as setentrionais terras são pouco atreitas a que uma qualquer barragem do Sabor ou do Tua seja baptizada com nomencaltura de anti-cristo... Essas, hão-de ser "Qualquer Coisa Comendador Mexia"... Restringindo-me à minha trivial posição de constituinte do anónimo povo, a minha homenagem quedar-se-á por ler o que ainda me falta... Mesmo que discorde, de forma absolutamente absoluta, de "lanzarotianas" posturas políticas. Mas, trabalho é trabalho, conhaque é conhaque... Ah! Não sei se o diabo virá ao enterro, mas louvem-se os vivos também! Porque de um qualquer "Sancirilo" resgatado, há uns anos, de uma estante, espantou-se o fantasma da portuguesa literatura. Neste caso, alimento deu ao "monstro" do orgulho na terra-mãe... E tudo isto porque queria escrever sobre a recente criação da Academia de Letras de Trás-os-Montes. Logo tinha que desaparecer o mago do sarcasmo, para derivar as idéias... Por ter mencionado sarcasmo... E porque fiz uma referência, ainda que indirecta, ao grande Pires Cabral... Lembrei-me do Grémio Literário... A saudável simbiose literária expectável entre os dois distritos transmontanos redundará numa mais que previsível intelectual guerra surda?... Espero que o olfacto me engane... Antes que a coisa azede, "bou-me infardar uas cereijas mim ducinhaze"...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Desconexões nostálgicas

"...Trás os Montes é um berço onde tenho de nascer todas as horas e morrer um dia..." - Miguel Torga



Trás-os-Montes é um berço onde renasço... E onde tenho de regressar um dia... Nem que para finar seja... A cada incursão, sinto que, tal como Torga, vou para lá receber ordens, dos meus antepassados. Não é um vulgar chamamento, antes é uma purga da alma, desinfestação interior que me livre dos patogénicos agentes que me corrompem as entranhas de xisto. A verdade é que a terra bravia me regenera o espírito, como se a natural sequência fosse exposta a uma regressão de rejuvenescimento. Pode soar a humana insanidade, mas uma travessia do Marão (ou do Alvão, enquando o IP4 assiste à sua sentença) representa um vínculo com a eterna juventude. Não há druidas ou poções mágicas, apenas resistem os seus fantasmas. Em forma de vento que irrompe do nada para fustigar serranias, ou de um simples pardal que lhe faz frente num desaustinado movimento alado. Ou a canícula que faz gotejar uma face esgotada, sede de um retemperador mergulho em riachos com histórias para contar. Ou no Azibo, simplesmente... Formas temperadas a ser, misturas de nada onde reina o tudo. E um velho que passa, sorriso terno, desconfiado, rugas do tempo marcadas num semblante tostado pelo sol. "Atão, num é de cá, peis não?"... "Ah carvalho ma racosa, atão é filho de fulano? Já mu pudia ter dito! Bote lá comigo que puri inda bubemos um copo! Olhe q'a nha pinga num se fica atrás dessas murraças que se bendim no Lidére, ou lá no que caralhitchas é! Num sei pur onde anda a minha, mas já lu digo que fica mim contcha si'u lebo lá a casa!"... Mas não, fica sempre para uma qualquer outra vez, que os "pur dentros" já não estão vocacionados para abusos do passado, recuadas épocas em que negação não haveria à hospitalidade do copo. Lascas de presunto por companhia, navalhas afiadas pelo esmero, ancestrais funções de pedras "afiadeiras" resguardadas do esquecimento, num qualquer canto à beira da adega. "Carabunhas" lançadas no vazio, poço de infindados desejos sem mácula, sonhos de uma infância sempre revivida e nunca perdida. É a perdição do espaço, num tempo que dá razão a Einstein, porque os ponteiros entram numa greve de zelo, retardando o sol no zénite ou prolongando o estremecimento do silêncio das constelações que nos cobrem. Como se o sol reinasse de noite e as estrelas se espraiassem num dos areais do Azibo. Contrastes de um longínquo uivo com um bramido perdido, sombras que pairam num Reino Esquecido. Como se Banreses tivesse estendido os seus braços do abandono, suspiro de uma ressuscitação sempre adiada, num abraço fraterno entre iguais. Mais não seja, em jeito de profecia... Talvez isto seja a antítese do transmontano que sou... Gosto de brindar a minha terra com um sorriso mas, por vezes, a saudade amputa-me da capacidade de distender os lábios e a pena limita-se a desenhar desconexos signos de nostalgia... Amanhã passa... "Ou num tu dixo?"...

sábado, 17 de abril de 2010

Castrações da vergonha?

Previamente ao visionamento, para não haver sobreposição de ruído, desligue, p.f., o som da "Cousas Rádio"...

Trailer Cinema "Pare, Escute, Olhe" from Pare, Escute, Olhe on Vimeo.



Veiga de Lila - Valpaços… Vilar de Maçada - Alijó… Vila Real… Poder-se-ia acrescentar Lagoa - Macedo de Cavaleiros… Ou, recuando um pouco no tempo, Grijó – Macedo de Cavaleiros… Com o firme propósito de preservar a terra-mãe de implícita corrosão, restrinjo-me ao vizinho distrito… As hierarquias assim o ditam… E, afinal, trata-se de um gémeo, mesmo que a modernidade das NUTS tenha adulterado, ao de leve, a tradição. Contudo, Trás-os-Montes é Trás-os-Montes e não há adulterações que corrompam esta essência de transmontano ser, seja de bragançanas terras ou de vila-realense território. Fala-se de abandono, há abandono… Escalpelizar as causas resultaria numa perda de tempo… As transmontanas gentes, mais que sabê-las, sentem-nas. Ou vão-nas sentindo, ao sabor do ruído atroz gerado pelo silêncio de quem destas terras brotou e, sabe-se lá porquê, renega as origens, esquecendo-se desta cada vez mais esquecida gente. Terras do olvido… Impenetráveis fraguedos, desoladas terras, resignações de bravia gente… Como me dói olhar o meu mundo, sabendo que as raízes do mesmo se estendem à Presidência da Comissão Europeia, à Chefia do Governo Português e à Liderança da Oposição… Como me dói sentir os enganos de quem parece desprezar o ventre transmontano que vida lhe deu… Como corrói olhar para hipócritas sorridentes faces imunes aos pedidos de gente simples que apenas quer sentir que é gente como qualquer outra. A Linha do Tua é apenas uma das muitas faces do monstro que comeu xisto e granito, e os cospe em forma de betão… Mais que discutir barragens ou encerramentos de linhas férreas, dever-se-ia estancar a hemorragia da resignação e da passividade. Dão-nos “cabo do coiro” e nós retribuímos com ingénua amabilidade. “Comem-nos de cebolada” com falsas e adiadas promessas e nós recorremos a um incompreensível mutismo, alicerçado numa qualquer tradição que diz sermos um povo hospitaleiro. Como é possível ter hospitalidade para quem nos espeta, sucessivamente, facas nas costas? Encerram-nos serviços básicos e nós sorrimos? Ou limitamo-nos a uns fugazes protestos, rapidamente apagados pela próxima campanha eleitoral… Onde alimentamos “pançudos” a alheiras, presunto, enchidos e posta à mirandesa, sabendo, de antemão, que vão digerir as genuidade e bondade transmontanas para um qualquer corredor de S. Bento, Bruxelas ou Estrasburgo, arrotando a convicção de que os irredutíveis estão amansados de novo… A interioridade não se paga cara pela prepotência dos que de lá saem em direcção ao “El Dorado”. O elevado preço resulta da devolução em forma de silêncio ao silêncio que nos dão… Não irei ver o “Pare, Escute, Olhe”… Para derramar “rios Tua” movidos a raiva, já me bastou o “trailer”… Sensibilidades escondidas por detrás de uma aparente couraça de frieza, coisas humanas ou, simplesmente, transmontanas… E não irei ver porque, no país que merecemos, não consigo alhear-me da constante adulteração que faço ao título do documentário. Olho para a película, assisto ao desfilar de caras e sinto que vivo no país do “Quero, Posso, Mando”… E a esse país que abandona um pedaço do que seu é, que me desculpem as mentes mais sensíveis, digo, transmontanamente falando com tempero a eufemismo, “carvalho ma racontracosa”…

quarta-feira, 7 de abril de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

Portuguinder Sorpresa

Havia tempos em que a época pascal possuía outros encantos. Até a meteorologia parece ter-se prostituído aos ventos da modernidade… Ainda estarei longe da caducidade. Não me espanta, por isso, que o meu sistema neuronal persista em associar a Páscoa ao período primaveril. Flores, verdejantes campos, aves chilreantes, presságios de Verão… Estou atolado, até aos superiores extremos capilares, da chuva, do vento, do ar fresco que persiste em encarcerar-me… Em jeito de compensação, distracções ao avesso, decidi adaptar-me à permeabilidade, que inflexibilidades não conduzem a lado algum. Troquei as tradicionais amêndoas de Páscoa, aquelas mesmo, artesanais, duras como as extremidades de bovídeos, pintarolas de tripartidas cores: branco, azul e rosa… E cedi à tentação, a provinda da publicidade que inunda os écrans, numa infernal sequência de consumismo natalício, seguido de carnavalescos acessórios, com paragem no apeadeiro do Dia do Pai, estações pascais, veraneantes férias, regresso às aulas… Blheargh… Finalmente, aderi aos “óbos de tchiculate”! Diz o marketing que o seu recheio detém a capacidade de divertir pais e filhos… Contudo, numa desesperada tentativa de salvar a economia nacional, tomei a infeliz decisão de comprar o que é nosso. Contrariando as iniciais pessimistas expectativas que apontavam para um hercúleo esforço em busca de Portuguinder Sorpresa, eis que, ao virar da esquina, ali estava um escaparate decorado a “portugalidade”. Os olhos redobraram o brilho perante tão apelativo embrulho. O meu neurónio racional, numa desesperada tentativa de assumir o comando dos desenfreados parceiros, mais vocacionados para a ingenuidade, gritou, alto e bom som: «Quando a esmola é muita, o pobre desconfia!»… Mas os pobres dos rasos soldados, ouvidos não deram à voz de comando. Acossados por insana loucura, numa quase orgia predadora, atiraram-se, quais esfomeados seres, ao ovo que ocupava o primeiro lugar da fila. A ansiedade tomou conta do ambiente… Qual seria a surpresa? Saiu uma A4 e um Túnel do Marão para montar!!! Dois em um!!! O racional neurónio, do alto do seu pedestal, confidenciou aos seus botões: «- Saiu uma A4 e um Túnel do Marão? Eu chamo-lhes malabarismos»… Ripostaram os botões: «- Não sejas tão negativo! Estamos curiosos pela abertura do próximo Portuguinder Sorpresa!»… A angústia não tardou em dissipar-se. Três em um! Desta vez, recheio constituído por uma companhia de electricidade, uma solidariedade pintada a hipocrisia e uma linha do Tua! Tudo para montar, também! Esperem!... Este Portuguinder Sorpresa tem um fundo falso… Abram! Traz uma barragem escondida! E um comboio anfíbio!!! E contém ainda um bolo chinês da sorte! «- O que diz? O que diz?»… Superadas as dificuldades para aceder ao neurónio racional, supremo comandante de desordenadas tropas, a leitura foi efectuada em voz alta: «- A ingenuidade transmontana paga-se com a produção de 65% da energia eléctrica nacional. O futuro reserva-vos a insistência na retribuição em migalhas»… Ao invés de apupos, o ambiente foi invadido por calorosos aplausos e unânimes mensagens de agradecimento por tão promissor futuro… Do interior da algazarra foi possível percepcionar um «Abra-se o próximo ovo!». Surpresa geral… Helicópteros!!! Com autocolantes do INEM para decorar!!! Desprovidos de tripulação? Desta vez não é o Tribunal de Contas… Não faz mal! Os helicópteros voam sozinhos e, com um pouco de sorte, voarão para outro local que não o inicialmente prometido. E, afinal, este Portuguinder Sorpresa também traz Serviços de Urgência para montar!!!... Num último assomo de coragem, o neurónio racional dirigiu-se à multidão, tentando pôr cobro à colectiva euforia, manipulada por subversivos agentes trajados a beneditinos corredores. Subrepticiamente, sem que os agentes notassem a manobra, foi aplicada uma forte dose de antídoto, despertador da letargia reinante. Olhos abertos, mentes despertas, descobriu a multidão, afinal, que em cada Portuguinder Sorpresa, os kits são sempre os mesmos, apenas lhes muda a cor. Sai sempre malabarista! Impune… E da impunidade vamos vivendo, alegremente sorrindo para uma qualquer câmara de televisão que surja a gravar o isolamento, a pobreza, a solidão, a tristeza, a doença, a velhice… Como transmontano, já não como mais Portuguinder Sorpresa… Ainda que me tirem as poucas amêndoas que restam… Podem roubar-me a comida, mas jamais me roubarão a fome…

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A ignomínia do asfalto

O horrendo da sinistralidade também pode, por vezes, residir na aleatoriedade do macabro. Os últimos registos no cruzamento de Vale de Nogueira são a infeliz prova disso. Ao ler o relato da ceifa de mais vidas pelo fatídico IP4, a minha memória foi assolada pelos arrepios que me transtornam o espírito sempre que resolvo invadir a unicidade do Azibo. No regresso da invasão, apenas… A aproximação da reentrada no IP4, por muito empenho que coloque no alheamento de um inqualificável cruzamento, tolda-me o discernimento, pela irresponsabilidade de quem o projectou. Porque tenho consciência que, por muitas cautelas que tome, um dia posso ser o bafejado pela fava. Basta uma ligeiríssima distração para me candidatar a fazer parte de uma lista negra na qual não desejo estar incluído. Foi necessário trovejar incessantemente para apelar a Santa Bárbara… A crer no que é veiculado pela imprensa, na próxima época balnear já não será necessário atravessar o Cabo das Tormentas. Tratar-se-á de um remendo, apenas uma forma ilusória de não andar com as calças rotas. Disfarça… Um disfarce que vem na mesma senda daqueles com que o mutismo transmontano vem sendo alimentado. Dão-nos fast-food, comemos, enrugamos a cara e… calamos. Somos olhados como se a gente que se esconde para lá do Marão se tratasse de uma casta menor. Uma casta que não merece mais que um IP4 enferrujado pelo tempo. E promessas sempre adiadas, deste país que, ele sim, não merece a gente brotada no seu recanto nordeste. Uma gente que se entrega ao silêncio, deixando-se embalar pelas cantigas dos bandidos que lhe vão sugando a seiva e o pouco que tem. Prestamos vassalagem a um Estado que nos amputa os membros, castra-nos, retira-nos serviços básicos, deixa-nos entregues aos sortilégios de vias de comunicação mal amanhadas. E engana-nos com presentes embrulhados a veneno… Entretanto, a gente vai envelhecendo… E morrendo… Nem que seja a atravessar o IP4… Foto: Guillaume Pazat / Kameraphoto

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Caprichos do paladar

Quando a prolongada ausência desperta os suspiros da sua letargia, as saudades vociferando, num protesto virulento nascido da ausência... Quando os sentidos perdem o Norte, carregando o peso da longitude que os afasta da textura da terra-mãe... Retira-se, sorrateiramente, aquela compota com sabor a Trás-os-Montes, religiosamente guardada para um momento especial. Desperta-se o pão do Ti Luís do seu sono congelado. E aguarda-se pelo finar dos momentâneos protestos da alma... Não finam os ditos, não se sacia a alma. Recorre-se àquelas azeitonas especiais, treinadas para elevar as papilas gustativas ao éden, socorre-se uma alheira esquecida no desolador frio de um congelador. Salva-se a dita, que nos retribui o esforço com aromas únicos e distintos gostos. Repentinamente, lembramo-nos de visitar um velho amigo, perna que já foi, presunto, chamam-lhe os entendidos. E eis que, do nada, surge a antecipação de gostos pascais. Nada de transcendente, já não faltam os 40 dias... De súbito, ergue-se o gosto pela epopeia. "Não é tarde, nem é cedo! Fazemos um folar?" Reúnem-se as tropas... Ancestrais saberes na retaguarda... As alas, qual guarda-de-honra, farinha, fermento e ovos de um lado; azeite, manteiga e sal do outro... Na vanguarda segue a indómita vontade de seres a quem lhes corre sangue de xisto nas veias... Começa a batalha da tradição. "En garde!" Desfere-se o primeiro ataque, forças centradas no presunto, estocada após estocada, vai cedendo às investidas do gume afiado. Recobram-se forças, rapina-se um dos moribundos pedaços do desmembramento, acalma-se a seca garganta, enquanto se aguarda pelo apoio da retaguarda. Sábias mãos, veteranas de longas batalhas, saber de décadas acumulado. Investem as alas, imbuídas de uma abnegação tal que, em breves instantes, impulsionadas pela valentia da retaguarda, se confundem no campo de batalha em que um alguidar se transformou. São momentos de ansiedade, desfeita a ala dos ovos, confundida a da farinha. Entram as gorduras na liça, não se percebe o que em tempos foram. Pede-se ao repórter para abandonar o campo de batalha, mantém-se o mesmo em serviço nas imediações. Protesta o comandante, protestos em vão, diga-se. Afinal, dever de repórter é transmitir ao povo o que se passou. Imparcialmente! Terminada a peleja, honra aos vencidos, homenagem aos contendores. Enfeita-se o palco das cerimónias com escorregadia gordura, que os convidados não se podem pegar. Aquece-se o salão, não os apoquente o frio. E espera-se... Pacientemente, espera-se. Enquando os sentidos vão sendo atormentados pela invasão de odores a tradição que se vão acumulando no espaço. Não há forno típico, nem o inconfundível perfil aromático da lenha transmontana, mas há o familiar cheiro a folar! Aquele cheiro que me faz voar sobre Bornes, planar sobre o Azibo, desafiar a subida à Senhora do Campo, perder-me num labiríntico resgatar de memórias. E salivo... Qual reflexo pavloviano, salivo, ao mesmo tempo que inalo a atmosfera transmontana em que a cozinha se transformou. A angústia dos sentidos acalma-se, finalmente, com aquela única visão de uma obra de arte ligeiramente tostada. Como que a querer partilhar desta orgia de aromas e sabores, a Natureza decide aparecer no festim, presenteando os sentidos com outras cores...