
Noutros tempos não era assim... Imbuídos de um qualquer comunitário espírito, embrulhados na tradição do espírito pascal, impulsionados pela infantil alegria que não se explica. Um ramo de oliveira, temperado a rosmaninho e, na aldeia estando, decorado a "doces" e bolachas... Afinal, para um puto, o que se sobrepunha a qualquer benzimento do ramo, eram os "doces", sacralizados numa boca que os saboreava sem se deter na benta água que regado os tinha.

Nos dias que antecediam o Domingo de Ramos esboçava, mentalmente, o desenho do ramo. Teria que ser distinto... A realidade, porém, é que a distinção não ultrapassava a banalidade de anteriores anos. Invadia o olival que se situava nas traseiras de casa, amputava as oliveiras de pequenos pedaços seus e olhava-as com tristeza, desculpando-me de tal acto por restarem imensos ramos ainda. Acomodava-os junto ao muro e descia até aos lados da Chenop.

Onde hoje existe proliferação de marca humana, existia um quase selvagem estado de arbustivas formas, no meio das quais se encontrava, aqui e ali, rosmaninho. E outras flores silvestres mais... A casa chegado, chegava, de igual forma, o habitual "raspanete": «Para que é que queres as flores? Não te disse já que o ramo não leva essas flores?». Mas eu insistia... Poderia ser que algum ano a coisa passasse despercebida. Nunca passou...
Entretanto, cresci. Com o crescimento, surgiu outra visão e, com esta, outra consciência. Que para aqui chamada não é... Hoje, já não vou entregar o ramo aos padrinhos. Aliás, desconheço se ainda tenho padrinhos. Mas tenho afilhadas e afilhados! Que persistem no inigualável sorriso da tradição. E, como não devo ser um mau diabo, continuo a ser presenteado com o "ramo", ainda que o dito, em algumas circunstâncias, não seja em formas florais.

Talvez seja um utópico, mas os meus afilhados não são uma qualquer "coisa" que ajudamos a baptizar. Nem são o motivo para mais um mega almoço que, com o decorrer dos anos, se esquece. São, mesmo!, aquilo que deveriam ser: os meus segundos filhos. Por encarar a coisa dessa forma, ganho-lhes a amizade e, com sorte, ainda faço uma equipa de futebol. De andebol, já tenho...

Os tempos modernos trouxeram o alheamento. Perdem-se as tradições, ocultamo-nos por detrás de materialistas contingências de vida. Mas há gente que persiste na manutenção de ancestrais formas de ligação. Será por isso que continuo a ter os meus Ramos de Domingo?
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