quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Quando a genética é substituída pelo coração

Hoje não é, propriamente, um dia de gratas recordações. O tempo é carrasco que rapidamente transforma o ontem num passado longínquo. Há aniversários que deixam um sabor agridoce. Já não choro a perda porque prefiro encher o baú de memórias com imagens de estéreis discussões políticas, sociais, religiosas. É mais salutar sentir o calor da voz, naquele expectável telefonema sempre que o nosso clube ganhava. E ouvir a forma carinhosa como os genros-filhos eram tratados: “Ó Mingas, bebe lá mais um copetcho! Ó Dumas, então vai mais uma pinga?”… Ou a mais carinhosa ainda como os netos, em fins-de-semana ou breves férias, eram a “Pirzeta”, a “Pirulita” e o “Saquenito”. Havia sempre aquele inconfundível brilhozinho no olhar a cada recepção, mesmo que as emoções ficassem escondidas por detrás das agruras da vida. Uma incursão à horta era sempre motivo para um orgulhoso sorriso pela qualidade da terra, pelos produtos únicos que dela brotavam. Sentia-se uma melódica sequência de palavras naquele pedaço de terreno ancestral, legado de gerações, veículo para um renascimento quando a reforma chegou. E havia a pesca, aquela actividade que nunca me cativou, mas na qual participei, mais não fosse para partilhar a merenda devorada debaixo de uma qualquer ponte à beira do Tuela ou do Sabor. E para gerar aquele pinguinho de orgulho ao trio de mosqueteiros que levavam o “puto” atrás. O “puto” não tinha jeito para a pescaria, estava mais virado para sentir a regeneração que se antevia a cada sorriso daqueles três inseparáveis amigos por terem um “jovem” com paciência para ouvir as suas lições sobre canas e minhocas. Sorver um pouco de vinho através de um cantil que o mantinha fresco é memorável. Enquanto se deglutia um naco de pão trigo, acompanhado a um qualquer petisco, olhando o infinito e absorvendo o som da corrente que, mesmo ao lado, mostrava a beleza única de rios selvagens. Hoje sorrio através das memórias… Mas doeu, como nenhuma outra perda tinha feito doer.

Sem comentários:

Enviar um comentário