quinta-feira, 21 de abril de 2011

Porque amanhã é dia de folares...

E porque hoje é dia de tolerância de ponto, ou de um ponto na tolerância... De interrogação, quem sabe? Sinto os neurónios anormalmente excitados, num prenúncio de gula, em mordaz afronta à abstinência. Vilipêndio da realidade... Afinal, já absorvo aromas cuja existência se resume a um próximo futuro. A ânsia do amanhã, ou do mais logo, assemelha-se a algo virulento. Cheira, apenas, a chuva litoral, e os nasais receptores já percepcionam aromas a terra, a pedras, a montes, a gente, a encantado mundo para lá da barreira de condensação. É a agradável angústia que se instala de mansinho nas penitentes horas que antecedem um zarpar à parideira terra. É "mai loguinho, ó princípio da neitinha", hora de geral debandada em busca das raízes, do "tcheiro a guiços", da atmosfera que inebria o espírito e lhe recobra os sentidos. São os rios que esperam, as penedias e profundas gargantas, é a inépcia que nos assola a cada instante de magia, como se o terceiro calhau a contar do sol se detivesse, de repente, numa oclusão da realidade exterior, inventando um novo Big-Bang que atordoa os sentidos. É a serra que aguarda, calma, ao fundo, dorso de fera domada pelo tempo, guardiã do povo, histórias muitas para contar, num assobio da brisa, eterno gemido da folhagem que lhe serve de abrigo. São os caminhos que as entranhas lhe rasgam, ancestrais chamamentos que impelem a um embrenhar pelos carreiros que pacificam a alma. É o esquisso de um tempo que pára, em esboços de desenho nunca acabado, paradoxos de aparente imutabilidade sempre renovada. E depois, serpenteado o IP4, Macedo está lá, ao descer da Corvaceira, recepção dos filhos em silencioso abraço, fraterno, plenitude de humano calor, mesmo que a frieza pareça pairar qual assembleia de fantasmagóricas cores. Mas Macedo está lá, à espera... E os filhos estão cá, à espera também... Distintas esperas, é certo, mas esperas são, factual indesmentibilidade. Já se tombou metade da tarde e a torrente de saliva já sensibiliza os estomacais ácidos para a ceia que há-de vir. O troar interior, estranhos roncos da fome, não de fome qualquer, mas de um atroz desejo de saciedade dos sentidos pelos incomparáveis temperos a terra. Expliquem lá os deuses esta clasura no arrepio que há-de vir. Porque de humana gestação ser, resigno-me a esta incapacidade de lavrar num monitor o que apenas se sente... Deficiências do arado, seguramente... E amanhã, azáfama dos dias, haverá farinha, fermento, ovos, azeite, e "muntos cibos de tchitcha pró recheio". As "amassadeiras" encher-se-ão daquela pasta amarela chicoteada por sapientes mãos, num arremesso ritmado, "chlap, chlap, chlap", enquanto se esquenta o forno que metamorfoseará a informe mistura em tostados tesouros enformados. Beber-se-á mais um copo, esperas de palavras trocadas no descanso da "folarada a lebedar". Encher-se-á o ambiente com a névoa que deixa o inconfundível aroma a fumo na roupagem. Renovar-se-á a atmosfera de janela aberta com baforadas de ar puro. E, finalmente, rasgados sorrisos ao mundo pela primeira fornada, "ó que mim bô stá"! Quentinho, acabado de sair do cubículo de aquecidas pedras... Só porque amanhã é dia de folares...

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